A humanidade sempre depositou na tecnologia a esperança de um futuro libertador para superar limites, democratizar o conhecimento e construir uma sociedade mais justa. A internet, com a promessa de conectar o mundo e abrir portas para um intercâmbio de informações, parecia ser a concretização desse sonho. Apesar de inúmeros benefícios, observamos também efeitos colaterais: a conexão genuína dá espaço ao vício em telas, a democratização do conhecimento é suplantada pelo controle algorítmico e a interação social amplifica preconceitos.
A ascensão das inteligências artificiais (IAs) intensifica a problemática. Com a ausência de regulamentação e sistemas educacionais se esforçando para acompanhar as mudanças, a humanidade se vê diante da possibilidade de materializar os cenários distópicos retratados em filmes como Wall-E, em que a ausência de desafios e a delegação das responsabilidades às máquinas resultaram na atrofia das habilidades humanas físicas e mentais, e Idiocracy, que mostra uma sociedade em colapso intelectual, consequência da desvalorização do conhecimento, da cultura e do pensamento crítico.
A dependência de recompensas instantâneas, como notificações e curtidas, tem consequências profundas. Estudos indicam que os jovens de hoje socializam cerca de 80% menos do que há 20 anos, revelando a alienação gerada pelas interações digitais superficiais. Já habilidades como a capacidade de concentração, o raciocínio lógico e a memória estão em declínio. Pesquisas mostram que o tempo médio de concentração de uma pessoa caiu de 12 segundos, no ano 2000, para aproximadamente oito segundos nos dias atuais. Além da perda de habilidades cognitivas, a dependência da tecnologia acarreta consequências como ansiedade e depressão entre jovens.
Diante desse cenário, a educação se torna fundamental como instrumento de resistência, transformação e empoderamento. Precisamos de sistemas educacionais que mitiguem os aspectos negativos da era digital e olhem para as oportunidades que a tecnologia oferece, desenvolvendo o potencial de crianças e jovens, em um ambiente de aprendizado que estimule a curiosidade e a paixão por aprender.
O letramento midiático e a cultura digital devem ser pilares fundamentais dessa transformação. Crianças e jovens precisam compreender como as informações são produzidas, distribuídas e manipuladas, aprender a reconhecer vieses, a discernir fatos de desinformação e a desenvolver uma relação responsável com as tecnologias.
As competências essenciais para o futuro incluem, também, habilidades de colaboração, pensamento analítico e sistêmico, criatividade, inteligência social e emocional, literacia em dados, ética no uso de tecnologias e sensibilidade cultural. Precisamos de jovens questionadores, que criem soluções para problemas complexos, liderem mudanças e sejam capazes de se conectar uns com os outros e com o mundo.
Para que a distopia permaneça como um alerta e não um destino inevitável, precisamos agir com urgência. A construção de uma educação que prepare as futuras gerações para os desafios da era da IA exige um esforço coletivo e audacioso. Essa transformação se faz com a participação de toda a comunidade escolar: professores, alunos, pais, gestores e a sociedade.
É preciso criar pontes entre a escola e o mundo, integrar tecnologias de forma consciente e responsável, com uma cultura que valorize a potência e o protagonismo dos alunos. Usar a IA para personalizar o ensino, oferecer feedbacks individualizados, identificar dificuldades de aprendizagem e criar ambientes educacionais mais inclusivos e motivadores são alguns dos exemplos de como potencializar a educação.
A tecnologia nos pressiona a evoluir rapidamente, mas essa pode ser a nossa maior oportunidade. Se optarmos por utilizá-la a serviço da humanidade, a educação será o nosso recurso mais poderoso. Está em nossas mãos, e nas salas de aula, a possibilidade de usar as tecnologias para o bem coletivo, para ampliar nossos horizontes, aprofundar nossas conexões e construir um futuro mais justo, sustentável e humano para todos.
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SÃO, RESPECTIVAMENTE, DIRETOR EXECUTIVO DO INSTITUTO SALTO, PH.D. EM EDUCAÇÃO (NYU); E DIRETOR DE INOVAÇÃO E TECNOLOGIA DA FUNDAÇÃO LEMAN