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Opinião|A Escola de Comando e Estado-Maior do Exército

Uma democracia sem defesa fica à mercê de salvadores da pátria e de ditadores potenciais

Por IVES GANDRA DA SILVA MARTINS

A Escola de Comando e Estado-Maior do Exército (Eceme) criou, desde 1989, um ano após a promulgação da atual Constituição, programa intitulado Curso de Política, Estratégia e Alta Administração do Exército (CPEAEx), para aperfeiçoamento de coronéis. Quando da sua criação, na linha da Constituição democrática aprovada em 5 de outubro do ano anterior, a intenção foi escolher coronéis que pudessem ser nomeados generais ao fim do curso, fazendo-os passar um ano na escola situada na Praia Vermelha estudando questões de natureza constitucional, econômica, social e política, com professores universitários, especialistas e autoridades dos Três Poderes.

Comecei a lecionar na Eceme em 1990 e este ano completei 30 anos, proferindo palestras no CPEAEx e transmitindo a seus participantes conhecimentos na área de minha titulação acadêmica (Direito Constitucional), embora não poucas vezes discutindo as grandes questões econômicas, sociais e políticas.

A maioria dos generais veio do CPEAEx, muito embora possam alguns deles ter cursado idêntico programa na Escola de Guerra Naval ou na Escola da Aeronáutica, visto que na Eceme todo o ano recebemos um capitão de mar e guerra (Marinha) e um coronel da Aeronáutica, o mesmo ocorrendo com as duas escolas das outras Armas (Guerra Naval e Aeronáutica), que recebem um coronel do Exército.

Um dos aspectos mais relevantes desse curso – em que os coronéis passam a conhecer em profundidade os grandes desafios do País, internos e externos, e a debatê-los – é a plena consciência que todos eles têm de que o Exército é uma instituição do Estado a serviço do povo e da Constituição. Minha experiência é de que servem à democracia, no interesse da Nação, sem nenhum viés ideológico, pois distinguem o que são as correntes políticas, com seu necessário conteúdo ideológico, do que possam ser as funções próprias de um Estado organizado de Direito, ou seja, uma democracia. Sabem que são uma instituição do Estado, mais que do governo, a serviço não desta ou daquela ideologia, mas a serviço da Constituição e da democracia.

Não sem razão o artigo 142 da Lei Suprema – assim redigido: “As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem” – dá às instituições armadas as funções de defesa da Pátria, de garantir os Poderes constitucionais e de reposição da lei e da ordem, se solicitação houver de qualquer dos três Poderes.

Percebe-se que o constituinte, sabiamente, ao hospedar o Estado Democrático de Direito com seus fundamentos no artigo 1.º da Carta da República, e alicerçá-lo na harmonia e independência dos Poderes no artigo 2.º, outorgou às Forças Armadas as tarefas de garantir, de um lado, a democracia, em eventual crise, e de repor a lei e a ordem em eventual conflito entre os Poderes.

À evidência, a defesa da Pátria – o vocábulo aparece com toda a sua densidade ôntica na Carta da República ao tratar das Forças Armadas – contra o inimigo externo é sua principal função. Tanto é que o Título V da Constituição tem por denominação Da Defesa do Estado e das Instituições Democráticas, cuidando dos mecanismos para superação de crises (estado de defesa e estado de sítio) e das instituições para garantirem a democracia (Forças Armadas e forças de segurança pública).

Aricê Amaral Santos denominava esse título de “direito constitucional das crises”, pois uma democracia sem defesa fica à mercê de salvadores da pátria e de ditadores potenciais, como se pode ver atualmente na Venezuela, onde sua Constituição, que garante a democracia e os direitos individuais, não tem mecanismos e salvaguardas contra a ditadura.

Percebe-se, portanto, que a mais democrática Constituição do Brasil, amplamente discutida por constituintes e pela sociedade – nos primeiros meses, os constituintes apenas ouviram professores universitários, líderes empresariais e sindicais, além de especialistas sobre os temas escolhidos para integrarem a Carta Maior –, outorgou às Forças Armadas o supremo papel de garantir as instituições e repor a lei e a ordem, a pedido de qualquer dos Poderes, se forem tisnados em conflito não democrático.

Foi esse o espírito que levou à criação do CPEAEx, para os coronéis de cujas turmas sairão promoções a general de brigada, não só porque, de um lado, têm a oportunidade de obter mais elementos para compreender a conjuntura nacional e internacional, como, de outro, por serem servidores permanentes da Carta Magna.

Esse perfil das Forças Armadas – nos dias atuais, de pouco conhecimento da população e da imprensa – corresponde à realidade nacional, tendo eu a plena convicção, como velho advogado e professor de Direito, de que, sendo as guardiãs da democracia e da Constituição, estão, cultural e moralmente, preparadas para o exercício de sua relevantíssima função, a fim de que os Poderes políticos, escolhidos pelo povo (Legislativo e Executivo), e o Poder técnico, escolhido em concurso ou nos termos da Lei Suprema (Judiciário), tenham plena garantia de que suas funções serão constitucionalmente protegidas, para o bem da democracia brasileira.

Quando Ulysses Guimarães, num arroubo pouco técnico, mas impregnado da real vontade popular, declarou que a Constituição brasileira era uma “Constituição cidadã”, desenhou o verdadeiro panorama da atual República, que, nada obstante as crises por que passou, fundamentada está num texto, muitas vezes criticado por sua adiposidade e constante necessidade de reajustes, mas não no que diz respeito à estabilidade das instituições e à garantia dos direitos individuais. *PROFESSOR EMÉRITO DA UNIVERSIDADE MACKENZIE, DA ECEME E DA ESG

Opinião por IVES GANDRA DA SILVA MARTINS