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Opinião|A felicidade pode chegar pelos correios?

O descontentamento nas redes com a taxação do comércio eletrônico será efêmero. Já os efeitos sobre a economia nacional das desonerações dessas importações ficarão

Por Othon de Azevedo Lopes

Desde 1999, o ministro da Fazenda, valendo-se de autorização constante do Decreto-Lei n.º 1.804/1980, regra um regime de tributação simplificada das remessas postais pela Portaria 156. Desde então, os brasileiros passaram a desfrutar de uma miríade de produtos de módico valor, disponíveis pelo comércio eletrônico. Descortinou-se e ampliou-se uma janela para acesso fácil ao varejo internacional. Os correios entregam aos brasileiros regalos da globalização, produzindo pequenos momentos de felicidade. A questão é que o deleite do consumo global fácil tem um preço pago pelo mercado interno.

Toda nação soberana constitui uma aduana, divisando o mercado exterior do interno. O objetivo é criar para os agentes econômicos nacionais um espaço facilitado de negócios, incrementando a riqueza do País. Não é à toa que a Constituição federal diz que “o mercado interno integra o patrimônio nacional”. Zelar pelo mercado interno é criar produção de riqueza própria e gerar empregos no seu território. Então, o controle responsável das transações comerciais internacionais é indispensável ao desenvolvimento. Abrir brechas generosas tem um custo.

A prodigalidade da legislação e da regulamentação infraconstitucional gera perplexidade quando os produtores, comerciantes e trabalhadores nacionais no lugar de serem resguardados passam a ser discriminados. Os empresários nacionais pagam uma série de tributos indiretos (PIS, Cofins, IPI e ICMS). Por esse regime simplificado, os exportadores estrangeiros não pagavam tributo algum e ano passado passaram a pagar apenas o ICMS. Está claro que a carga tributária sobre a produção nacional é mais elevada do que a dos produtos importados nessa situação.

Daí deflui outra preocupação: os trabalhadores brasileiros. Esse regime simplificado atinge bens de baixo valor, que são exatamente os produzidos por empregados pouco qualificados. Não são poucos os países exportadores que incrementam a competitividade de seus produtos com a negativa de direitos trabalhistas. O que temos no fim das contas é que, nesse cenário, o Estado brasileiro está gerando empregos precários em países estrangeiros, em detrimento de postos de trabalho dentro do Brasil para pessoas com baixa escolaridade e renda.

Seguindo tendência mundial, a reforma tributária incluiu como princípio para o IBS e a CBS, tributos indiretos, a neutralidade. Isso significa que a carga tributária não pode induzir o consumo de determinados produtos nem favorecer um competidor em detrimento de outro. Acontece que a conformação atual desse regime simplificado induz ao consumo de produtos importados de baixo valor, no lugar dos produzidos no Brasil. Com isso, a carga tributária deixa de ser neutra e favorece justamente comerciantes estrangeiros.

A conclusão é que a felicidade que chega pelos correios ou couriers internacionais é ilusória e fugaz. O mesmo pode-se dizer da impopularidade do governo que resolva aumentar os tributos sobre esses bens importados de baixo valor. O descontentamento nas redes sociais com a taxação desse comércio será efêmero, como tudo no mundo digital. Já os efeitos sobre a economia nacional das desonerações dessas importações ficarão: arrecadação tributária será perdida, riqueza e desenvolvimento nacional serão prejudicados e trabalhadores de baixa renda perderão empregos. Anda bem, portanto, o Congresso, em acordo com o governo, quando decide tributar essas mercadorias abaixo de US$ 50 com imposto de importação de 20%.

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ADVOGADO, DOUTOR EM DIREITO E FILOSOFIA DO ESTADO PELA PUC-SP, É PROFESSOR ASSOCIADO DA FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA

Opinião por Othon de Azevedo Lopes

Advogado, doutor em Direito e Filosofia do Estado pela PUC-SP, é professor associado da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília