O uso da força pelos agentes do Sistema Único de Segurança Pública (Susp), para além de legítimo, é necessário, indispensável na proteção das pessoas, da ordem pública, dos direitos humanos e do nosso Estado Democrático de Direito.
É correto afirmar que não é possível falarmos em direitos humanos sem que os agentes policiais façam uso da força. Se pretendemos consagrar o que a nossa Constituição federal define como objetivo fundamental da República, ou seja, a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, é fundamental e legítimo contarmos com agentes de segurança que detenham autoridade para o uso da força em situações em que isso seja necessário e no estrito cumprimento da lei.
Isso não significa, por outro lado, que o Estado brasileiro deva respaldar o uso da força física arbitrária e excessiva. Ao contrário, o uso da força pelas polícias deve ser legitimado pela sua necessidade e limitado por diretrizes normativas, aliás, conforme recomendação da Corte Interamericana de Direitos Humanos e sob pena de equiparação dos nossos entes federativos a verdadeiras organizações criminosas.
Trata-se, dessa forma, de discussão imperativa em obediência a comando constitucional previsto no artigo 5.º, parágrafos 1.º e 2.º de nossa Carta Magna, visto que, como signatário do Pacto de San José da Costa Rica, o Estado brasileiro se submete à jurisdição daquela corte internacional.
O uso da força por agentes de segurança pública está padronizado em normas internacionais desenvolvidas ao longo das últimas décadas. As normativas mais significativas são o Código de Conduta das Nações Unidas para os Agentes Responsáveis pela Aplicação da Lei, de 1979, e os Princípios Básicos para o Uso da Força e do Uso de Arma de Fogo por Funcionários Responsáveis pela Aplicação da Lei, este último adotado pelo 8.º Congresso das Nações Unidas para a Prevenção ao Crime e Tratamento dos Infratores, de 1990.
É nesse contexto que o Ministério da Justiça e Segurança Pública se propôs a discutir e atualizar diretrizes nacionais sobre o uso da força pelos profissionais de segurança pública, visto que a última regulamentação acerca do tema data de 2010, e se, de fato, naquela época o crime organizado já era uma realidade em nosso país, assim como a violência urbana e rural, passada mais de uma década, essa realidade mudou, pois treinamento, procedimentos, tecnologia, equipamentos de proteção e de ataque também mudaram.
É de fundamental importância, portanto, que o uso da força não seja instrumento do debate ideológico polarizado que hoje prevalece quando o tema segurança pública está em pauta. Em primeiro lugar porque, quando se busca uma diretriz para esse tema, o que se pretende é o fortalecimento dos nossos quadros policiais, que terão mais segurança para atuar diante de normas claras e amplamente debatidas. Trata-se, na verdade, de um direito dos nossos agentes, que merecem respeito do Estado, seja na garantia de condições adequadas de trabalho, como por exemplo salário digno, seja na fixação de regras claras que lhes permitam atuar em segurança, sem sofrer riscos desnecessários. Em segundo lugar porque uma sociedade minimamente civilizada não tolera o abuso ou mesmo o arbítrio de suas forças que, como qualquer ente estatal, devem contar com limites para sua atuação.
As diretrizes estão ainda em discussão em grupo de trabalho instituído pelo Ministério da Justiça, que conta com ampla representação de nossas forças policiais e sociedade civil. Policiais civis e militares, guardas municipais, policiais penais, Polícias Federal e Rodoviária Federal, bem como a Cruz Vermelha e entidades da sociedade civil, são os arquitetos da proposta.
A ideia é a fixação de princípios norteadores e estruturantes do uso da força, como por exemplo legalidade, precaução, necessidade, proporcionalidade, razoabilidade e não discriminação.
Priorização de instrumentos de menor potencial ofensivo, mensuração da necessidade e do risco e emprego da arma de fogo como último recurso são também diretrizes em discussão, assim como a importância da capacitação e da criação de um Comitê de Monitoramento que contará com representação das própria forças policiais e da sociedade civil.
A ideia central é a criação de um ambiente no qual os agentes da lei sejam respeitados e estejam cientes de seus direitos, pois somente dessa forma realizarão seu trabalho com confiança e com o compromisso de proteger os direitos dos outros.
Que se afaste, portanto, a versão de que o governo federal pretende limitar a atuação das nossas polícias. O fato é a cuidadosa, transparente e democrática elaboração de um marco legal e político que possa ser uma referência de atuação, fortalecimento e valorização de nossas forças do Susp, para o atendimento de compromissos internacionais assumidos pelo nosso país, mas fundamentalmente para o estabelecimento de uma política de segurança pública enquanto direito social de cada um de nós.
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É SECRETÁRIO NACIONAL DE SEGURANÇA PÚBLICA