A eficiência da Justiça brasileira tem sido um desafio histórico. Há um excesso de demandas sobrecarregando o sistema, causando morosidade processual. No último levantamento feito pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e publicado no relatório Justiça em Números 2024, com dados do ano passado, há pelo menos 84 milhões de ações em trâmite no Brasil.
Esse problema tende a afetar a economia como um todo. As despesas com precatórios e pagamentos de outras condenações judiciais pela União, por exemplo, subiram da média de 0,32% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2012-2014 para 0,86% em 2022-2024. A judicialização, evidentemente, fomenta esses números.
É claro que existem inúmeros fatores que influenciam a quantidade de processos judiciais, mas há a necessidade de procurar uma solução para esse problema. Com vistas a melhorar esse contexto, alguns mecanismos legais foram introduzidos no Código de Processo Civil (CPC), dentre os quais o estímulo a soluções extrajudiciais de conflitos, à conciliação, à mediação e, especialmente, ao sistema de precedentes vinculantes.
Este último é um mecanismo jurídico que, se bem implementado, pode trazer mais previsibilidade, uniformidade e celeridade ao Poder Judiciário, reduzindo o número de processos. Grosso modo, o conceito de precedentes judiciais remonta ao Direito anglo-saxão, onde decisões de tribunais superiores vinculam tribunais inferiores em casos semelhantes, garantindo coerência no sistema e, consequentemente, reduzindo a litigiosidade. No Brasil, a adoção de precedentes foi fortalecida com o CPC em 2015, que trouxe o chamado “sistema de precedentes vinculantes”. Nessa organização, decisões de tribunais superiores em recursos repetitivos, repercussões gerais e súmulas vinculantes devem ser seguidas pelas instâncias inferiores.
Assim como em outros países, a formação dos precedentes no Brasil ocorre por meio de decisões em casos paradigmáticos que, em regra, tratam de questões relevantes e repetidas no Judiciário. Uma vez firmados, esses precedentes devem orientar as decisões das cortes inferiores. Um exemplo prático é a aplicação de teses fixadas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em casos de repercussão geral, que obriga juízes de todo o País a seguir a orientação adotada, evitando decisões conflitantes.
Contudo, a aplicação dos precedentes no Brasil enfrenta alguns problemas significativos. Um dos principais desafios é a resistência cultural dos operadores do Direito, que ainda veem os precedentes como simples orientações, e não como normas vinculantes. Essa postura gera insegurança jurídica, com a existência de decisões judiciais divergentes para casos idênticos.
Outro problema recorrente é a falta de clareza e objetividade na fundamentação das decisões que formam precedentes. Muitas vezes, são longas e complexas, o que dificulta a compreensão pelos tribunais inferiores e pelas partes envolvidas sobre qual foi exatamente a interpretação legal fixada. Além disso, a quantidade excessiva de temas levados aos tribunais superiores também é uma questão preocupante, pois sobrecarrega essas cortes e acaba por diluir a qualidade das decisões.
A solução para esses problemas passa, em primeiro lugar, por uma mudança de cultura jurídica. Juízes e advogados precisam compreender melhor a importância dos precedentes e vê-los como instrumentos essenciais de eficiência e uniformidade. Além disso, a formação de precedentes deve ser mais criteriosa, priorizando casos de real relevância e garantindo que as decisões sejam claras e objetivas. Outro ponto importante seria uma maior fiscalização e cobrança de respeito aos precedentes, inclusive com sanções mais rigorosas para quem descumpri-los injustificadamente. O CNJ tem editado importantes resoluções nesse sentido.
Um exemplo do impacto que um sistema de precedentes vinculantes eficiente pode causar está na solução de demandas envolvendo benefícios previdenciários.
Segundo a pesquisa A Judicialização de Benefícios Previdenciários e Assistenciais, do Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper) para o Departamento de Pesquisas Judiciárias do Conselho Nacional de Justiça (DPJ/CNJ), de 2015 a 2019, registrou-se um crescimento de 140% no número de processos requerendo concessão ou revisão de benefícios previdenciários e assistenciais nas Justiças federal e estadual.
Nesse trabalho foram avaliados mais de 18 milhões de processos e analisadas 1,3 milhão de decisões judiciais. A uniformização pode causar impacto significativo, ao fixar um entendimento que vincule o julgamento de todas essas ações.
Portanto, uma correta utilização do sistema de precedentes pode trazer avanços consideráveis para a eficiência da Justiça brasileira. A uniformidade nas decisões e a diminuição de litígios repetitivos são caminhos para um Judiciário mais ágil e previsível.
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ADVOGADO