Opinião | A liquidez das pautas e o alto custo da política do espetáculo

Se não mudarmos dinâmica, continuaremos a ver o País preso em debates efêmeros e sem resultados, enquanto os mais vulneráveis pagam o preço mais alto

Por Mano Ferreira

O Brasil é um país onde os temas surgem e desaparecem da agenda política na velocidade das redes sociais. Um dia, todos discutem a jornada 6x1. No outro, o suposto “imposto do Pix”. Em pouco tempo, questões que pareciam da maior urgência se dissipam, deixando uma trilha de confusão e desinformação. Muita espuma, pouco conteúdo. Essa é a natureza da “liquidez social” descrita por Zygmunt Bauman, em que os debates são efêmeros, desprovidos de profundidade e geralmente incapazes de gerar consequências duradouras.

Mas o custo dessa liquidez é real e recai, em especial, sobre os mais pobres. Enquanto governo, imprensa e sociedade se distraem com pautas espetaculosas, o País carece de soluções concretas para problemas estruturais. A falta de clareza de rumos e consistência na gestão e opinião pública impede que reformas essenciais avancem na velocidade necessária, desperdiçando oportunidades, aprofundando desigualdades e comprometendo o futuro.

Vivemos tempos em que a política opera conforme a civilização do espetáculo, como apontou Mario Vargas Llosa. A espetacularização transforma o debate público em entretenimento, em que a aparência importa mais do que o mérito. Direita e esquerda disputam quem “lacra” mais nas redes sociais, enquanto os problemas estruturais seguem sem solução, os juros sobem e o poder de compra da população despenca.

Apesar de uma inflação controlada, a economia brasileira permanece sob intensa pressão. A incerteza em relação ao cenário global, com a volta de Donald Trump à presidência dos Estados Unidos, e a falta de ações concretas do governo agravam a situação. Sem reformas estruturais e cortes de gastos robustos que nos tragam de volta uma perspectiva de responsabilidade fiscal, estamos condenados a voos de galinha.

O impacto é sentido de forma mais cruel pelos mais pobres, que já enfrentam dificuldades no acesso ao crédito, perda de poder aquisitivo e perspectivas de mudanças profundas no mercado de trabalho, para as quais claramente não estamos preparados. Enquanto isso, o governo não entrega soluções. O discurso oficial insiste em avanços que não se materializam na realidade e na criação de bodes expiatórios. Se uma medida mal explicada pela Receita Federal de um governo explicitamente gastador gera receio numa população cansada de pagar impostos, a culpa é das fake news.

O Brasil parece preso em um círculo vicioso. De um lado, a “liquidez” das pautas gera desatenção e falta de foco. De outro, a civilização do espetáculo transforma a política em um palco de performances, e não de resultados. Construir um debate sólido e consistente em torno de medidas necessárias para o progresso do País se torna extremamente difícil.

Como romper esse círculo? Claro que seria desejável um governo com rumo sintonizado às prioridades da população. A legitimidade de propostas eleitas pelo voto popular é a principal ferramenta para diminuição de custos de negociação política. Contudo, além de eleito sem um programa de governo claro, o presidente Lula da Silva tem se ausentado de qualquer debate estrutural importante. Não à toa, com um legislativo guiado por bases eleitorais sedentas por recursos e a pressão dos grupos de interesse, a farra de exceções na reforma tributária nos entregou o maior IVA do mundo.

Sendo assim, resta um esforço amplo para resgatar a seriedade do debate público. A imprensa tem um papel fundamental nesse processo. As pautas importantes não podem ser abandonadas ao primeiro sinal de distração. A lógica das redes não pode monopolizar as editorias. A sociedade civil, os líderes políticos e os formadores de opinião têm a responsabilidade de manter o foco nas questões essenciais, resistindo à tentação do espetáculo.

Se não mudarmos essa dinâmica, continuaremos a ver o País preso em debates efêmeros e sem resultados, enquanto os mais vulneráveis pagam o preço mais alto. Precisamos de menos espetáculo e mais ação. Menos liquidez e mais consistência. O futuro do Brasil depende disso.

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JORNALISTA ESPECIALIZADO EM COMUNICAÇÃO POLÍTICA PELA INTERNATIONAL ACADEMY FOR LEADERSHIP DA FUNDAÇÃO NAUMANN, DA ALEMANHA, ANALISTA DE POLÍTICAS PÚBLICAS CERTIFICADO PELA LONDON SCHOOL OF ECONOMICS, É COFUNDADOR E DIRETOR DE OPERAÇÕES DO MOVIMENTO LIBERAL BRASILEIRO LIVRES

Opinião por Mano Ferreira

Jornalista especializado em Comunicação Política pela International Academy for Leadership da Fundação Naumann, da Alemanha, analista de políticas públicas certificado pela London School of Economics, é cofundador e diretor de Operações do movimento liberal brasileiro Livres