A pandemia nos expôs à vulnerabilidade do atual modelo global de cadeias de suprimento, em vários setores industriais e tecnológicos, alguns vitais, como os dos medicamentos e equipamentos médicos. A crise exacerbou a desconfiança das empresas com a frenética propagação das cadeias de valor. A disputa comercial e tecnológica Estados Unidos-China já incitava o receio de depender de uma única “fábrica do mundo”. As incertezas provocadas pelo surto de covid-19 levarão as empresas ocidentais a migrar para esferas industriais mais próximas de suas sedes. Passarão a dar maior peso à sua segurança econômica e comercial, em vez de correrem o mundo no afã de minimizar custos e maximizar lucros. A crise deverá propiciar uma regionalização da dinâmica global de produção e suprimento. A América Latina poderia constituir-se num eixo produtor de alto valor agregado, mais seguro para aquelas empresas da América do Norte e da Europa que antes privilegiavam a China, o Sudeste Asiático e a Índia. Esta é uma oportunidade para, sem alinhamentos estéreis, delinearmos no Brasil uma estratégia de produção econômica competitiva que nos posicione com vantagem na reconfiguração da economia mundial. Não é o momento de acalorar o nacionalismo. Tampouco devemos seguir pregando a abertura unilateral do comércio. Devemos abandonar a tese de que o Brasil só conseguirá fazer parte das cadeias produtivas de valor se – e quando – abrirmos nossos mercados para as importações de manufaturados. É vital valorizar o agronegócio. É nosso setor mais rentável, no qual temos enorme vantagem comparativa. A produtividade das lavouras é crucial para expandir nossas exportações e contribuir para a segurança alimentar global. O Brasil precisa continuar sendo um produtor e fornecedor agrícola de peso e confiável nos mercados mundiais, em especial na Ásia. Apesar da pandemia e da problemática ambiental, nossa produção agropecuária deverá crescer 2.5% neste ano. Mas nossa indústria hoje tem uma produção estagnada e crescentemente ociosa, carece de investimentos externos e tem puxado para baixo nosso saldo na balança comercial. Nos segmentos de alta tecnologia, nós nos convertemos numa indústria montadora, enquanto a atividade industrial no mundo passará por transformações tecnológicas ainda maiores depois da pandemia. A crise já está tendo um impacto devastador sobre o nosso parque industrial, construído a duras penas durante mais de meio século. Temos muito a ganhar com a negociação – com ou sem o Mercosul – dos acordos de livre-comércio com parceiros relevantes. Eles nos moverão na construção de um modelo produtivo, eficiente e moderno. Para tanto deveríamos promover uma abertura comercial, mas do tipo que seja capaz de alicerçar uma cadeia de produção nacional para os segmentos industriais ainda não existentes no Brasil, em especial no desenvolvimento de novas tecnologias. O objetivo seria fazer as redes de produção industriais internacionais, reticentes pela ruptura de suas cadeias de suprimento na Ásia, se voltarem para nosso mercado de produção. Afinal, temos ampla capacidade industrial e recursos cruciais. O governo precisa empenhar-se pela revalorização da indústria nacional. Temos de favorecer a atração dos investimentos externos para a criação de uma base industrial de alto valor agregado e componentes. Não é o caso de reeditar uma política industrial, muito menos de retomarmos os incentivos, que se mostraram ineficazes e foram até mesmo contestados pela Organização Mundial do Comércio (OMC). Se quisermos retomar o crescimento econômico e criar empregos, agora é o momento de planejar nosso modelo de pós-crise para a integração plena do Brasil com a economia internacional. A competitividade da indústria brasileira não se materializará, por encanto, apenas quando eliminarmos o “custo Brasil”. No mundo, hoje, se não criarmos um processo produtivo com conhecimento e capacidade tecnológica não seremos competitivos. Governo e representantes da indústria deveriam identificar uma agenda de medidas regulatórias e jurídicas que facilitem o ambiente de negócios no Brasil e confiram segurança jurídica aos investimentos. Para as medidas de alcance legal, o governo deveria trabalhar essa agenda com o Congresso, pois bem sabemos que nosso arcabouço jurídico contém entraves históricos ao empreendimento e à inovação. No plano externo, devemos cultivar, sem hesitações e com pragmatismo, a relação com os vizinhos da América do Sul. São nossos mercados naturais. Só assim eles optarão por uma parceria duradoura conosco. Com isso poderemos alavancar nossa presença regional e a escala de produção para tornar viável a competitividade da nossa indústria. Não é tarefa fácil. Mas é hora de preparar o futuro. Se fizermos nossa lição de casa e criarmos uma indústria de larga escala e de vanguarda, ocuparemos o espaço na economia regional e mundial à altura da nossa dimensão.
* REGIS ARSLANIAN É EMBAIXADOR; SÓCIO DE LICKS ATTORNEYS