A Petrobrás não é uma empresa estatal. Ao contrário, é uma sociedade de economia mista, em que o controlador ainda é a União. Ser controlador significa deter mais de 50% das ações com direito a voto. E isso o governo possui.
Todavia o capital da Petrobrás, de R$ 205 bilhões, pertence majoritariamente (64%) aos acionistas privados. Isso significa dizer que, se amanhã a empresa fosse “liquidada”, os seus 700 mil investidores iriam receber a maior parte da “liquidação”. Daí por que, sendo majoritariamente privada e concorrendo no mercado, o seu objetivo tem de ser o lucro. É assim no Brasil. É assim no mundo.
Pois bem, sendo o maior acionista o governo, os dividendos – leia-se lucros ou resultados – vão, na sua maior porção, para o Brasil. Para o brasileiro. Então, seja qual for o encaminhamento que o leitor quiser dar ao lucro da empresa, parece-me que a proteção do caixa, no final do dia, atende ao melhor interesse público e privado.
Mas isso não quer dizer que o leitor não possa querer dar alguma outra destinação ao lucro. Portanto, vou me restringir à exposição de possibilidades legais existentes, sem nenhum juízo de valor da minha parte, pois reconheço que a Petrobrás é uma paixão nacional.
Desde que fui eleito conselheiro de administração da empresa, tenho registrado nas atas as minhas preocupações com a intervenção dos governos passados na sua política de preços. Os prejuízos ultrapassaram R$ 300 bilhões. Esse valor pode corresponder a mais de quatro décadas de lucros, tendo como base o balanço de 2020. Lucros que iriam majoritariamente para a União, ou seja, para o Brasil.
O controlador, seja ele o governo, como no caso da Petrobrás, seja ele privado, nas inúmeras outras empresas da bolsa de valores, tem direito de destituir, substituir e indicar membros da alta administração. E nesse ponto não houve divergência entre os conselheiros da Petrobrás. A Lei das i das Sociedades por Ações (Lei das SA) assegura à União diretamente convocar assembleia para destituir membro ou, querendo, pedir que o conselho o faça.
É legalmente possível que o chefe do Poder Executivo, representante legal do controlador, indique o candidato de sua preferência para o exercício da presidência de uma controlada.
Não me cabe aqui, repito, fazer qualquer juízo de valor acerca do modus operandi do presidente da República na indicação de um novo membro. Isso compete aos órgãos de controle (CVM, TCU, Justiça Federal, etc.). Esse sistema de freios e contrapesos é parte do bônus da democracia. Um presidente eleito pela maioria dos brasileiros, para alguns, pode ser um ônus. Mas seja ônus, seja bônus, viva a democracia – por mais que o genial Steve Levitsky já me tenha convencido de que as democracias morrem. E não estou aqui me referindo ao Brasil, mas ao processo de impedimento nos EUA, até então berço da democracia.
Recordo-me de outra indicação, frustrada, havida para a direção da Polícia Federal. Qualquer estudante de Direito sabe que é plausível o presidente da República indicar quem preencha os requisitos legais. Mas não foi essa a ótica do Supremo Tribunal Federal (STF), que vislumbrou “abuso de poder por desvio de finalidade”, concluindo que “em um sistema republicano, não existe poder absoluto ou ilimitado, porque seria a negativa do próprio Estado de Direito”. Traria segurança jurídica ao caso Petrobrás se o plenário do STF tivesse concluído o julgamento, cujo processo foi extinto pela indicação de um terceiro nome. Não atende ao melhor interesse da companhia uma nova judicialização. Seria mais um perde-perde, malgrado o mercado ter a segurança de que Castello Branco jamais seria um desertor, abandonando a sua tropa.
Mas o nó górdio da questão estaria na suposta interferência futura na política de preços, problema aparentemente insolúvel, mas que já muito já fora resolvido de maneira simples e eficaz ao ser introduzido no estatuto social da companhia o artigo 3.º, parágrafo 6.º, ao dispor que a Petrobrás, quando orientada pela União a contribuir para o interesse público, somente assumirá obrigações ou responsabilidades ... (devendo) a União compensar, a cada exercício social a companhia pela diferença entre as condições de mercado definidas (...) e o resultado operacional ou retorno econômico da obrigação assumida.
Essa solução foi implementada durante o governo Temer. A Petrobrás está blindada hoje.
Li com redobrada atenção a proposta embrionária de Michel Temer de criação de um fundo de estabilização dos preços dos combustíveis. Por mais que conceitualmente me tenha insurgido na Justiça contra fundos em geral (fundos de combate à pobreza, de estabilização fiscal, etc.), entendo que a sociedade poderá exercer o seu juízo de valor, a sua escolha. Explico: segundo o balanço publicado nesta semana, o Brasil/governo poderá receber, a título de lucros, R$ 0,78 por cada uma dos 3,740 bilhões de ações ordinárias, perfazendo aproximadamente R$ 3 bilhões. Dinheiro seu, mas que pode ser destinado ao programa social. Você decide.
ADVOGADO, É CONSELHEIRO DE ADMINISTRAÇÃO DA PETROBRÁS