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Opinião|A questão tributária na cadeia de reciclagem

Infelizmente, a reforma tributária não contempla medidas que atendam aos legítimos anseios de catadores e recicladores

Por Mario Ernesto Humberg e Gilson J. Rasador

O Brasil joga nos rios, no mar, nos lixões e nos aterros milhões de toneladas de produtos que poderiam e deveriam ser reaproveitados, como papéis, papelões, plásticos, borrachas, vidros e outros. Além do desperdício, esse descarte descontrolado contribui para o desequilíbrio socioambiental e a contaminação de pessoas e animais.

Com o crescimento da população urbana, o desenvolvimento econômico e as novas tecnologias, há um crescimento exponencial e assustador na geração e no descarte de resíduos, não só em quantidade, mas também em diversidade.

O recolhimento do descarte e sua reutilização vêm sendo objeto de ações nas áreas legal e governamental, como a responsabilização dos fabricantes pela destinação dos resíduos de sua produção e comercialização.

Há vários exemplos de setores que vêm fazendo trabalhos eficientes de recolhimento. Também existem projetos de instituições sem fins lucrativos, organizações não governamentais e empresas, que investem recursos na educação ambiental das comunidades, no treinamento de pessoas e, especialmente, no desenvolvimento de tecnologias para melhorar a coleta e o processamento dos materiais usados.

A soma desses esforços, legais, governamentais, privados e do terceiro setor, não tem sido suficiente para reduzir os riscos ambientais, tampouco para melhorar as condições socioeconômicas de uma parcela mais vulnerável da população. Catadores, cooperativas de separação, depósitos intermediários, transportadores, etc. são afetados, um universo de milhares de pessoas.

Alguns exemplos. Os sucateiros vêm sofrendo com a redução das vendas e a queda do preço de resíduos ferrosos, e sobrevivem, com dificuldades, porque há um mercado de exportação; os aparistas de papel estão em situação difícil, pois os produtores de cartão preferem usar celulose, mais fácil de processar, assim o preço caiu de R$ 2,00 para R$ 0,60 o quilo nos últimos anos, afetando toda a cadeia de reciclagem. Mesmo quando há uma operação eficiente de recolhimento, como o é o caso dos pneus inservíveis, é mais fácil usá-los como combustível em fábricas de cimento, porque é difícil vender a borracha reciclada.

Em outras cadeias com maior número de processadores, como a de plásticos, embora tenha uma entidade para orientar o reaproveitamento e muitos reprocessadores, mais de 95% do descarte é jogado fora e vai parar até nos peixes e crustáceos que comemos, na forma de microplásticos.

Cada caso é diferente do outro em sua origem, embora o que prejudica todos seja a não competitividade com materiais novos, mais fáceis de processar. A exceção são as latas de alumínio, de alto valor, que têm 97% da produção reciclada. Outros produtos que podem ser reciclados, como o vidro, não o são por uma questão econômica, que prejudica, além do meio ambiente, milhares de pessoas que atuam no processo.

Como dar competitividade a esses produtos recicláveis hoje desperdiçados e tão importantes pelo caráter social envolvido?

A questão tributária, ou o “problema tributário”, envolvendo a complexa cadeia de atividades da reciclagem e do reaproveitamento de materiais usados é chave na solução, pela ocorrência de incidências em cascata, pois o processo envolve várias etapas, que oneram a coleta, a produção e os produtos obtidos com o emprego de materiais reutilizáveis. As indústrias também poderiam dar preferência a esses materiais recuperados, como parte de suas políticas de ESG. Apesar da possibilidade de representar um ligeiro aumento de seus custos, o impacto no planeta e na sociedade é sempre admirado e recompensado.

Embora a Constituição federal apregoe a defesa do meio ambiente mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração, isso nem sempre ocorre na prática, como é o caso da reciclagem. As legislações federal e estaduais instituem benefícios fiscais para algumas etapas da cadeia de reciclagem, mas eles não têm sido suficientes.

São necessárias medidas mais efetivas para impulsionar a chamada economia circular, criando melhores condições tributárias para a cadeia de reciclagem, que tornem competitivos seus produtos e reduzam os danos ao ambiente causados pela deposição ou descarte de materiais que podem ser reaproveitados.

Infelizmente, a reforma tributária aprovada pela Emenda Constitucional 132 e, especialmente, o Projeto de Lei Complementar (PLP) para a instituição do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e da Contribuição Social sobre Bens e Serviços (CBS), em trâmite no Congresso Nacional, não contemplam medidas que atendam aos legítimos anseios de catadores e recicladores. O PLP prevê a concessão de créditos presumidos de IBS e CBS, no total de 20%, para quem adquirir resíduos sólidos de coletores incentivados, e utilizá-los com destinação final ambientalmente adequada. Esse crédito não compensa os tributos pagos em etapas anteriores e não torna competitiva a aquisição desses materiais, nem melhora a competitividade dos produtos com eles elaborados. E, menos ainda, ajuda a minorar as desigualdades sociais e os problemas ambientais.

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SÃO, RESPECTIVAMENTE, PRESIDENTE DO CONSELHO CONSULTIVO DO PNBE; E ADVOGADO, COORDENADOR DO PNBE

Opinião por Mario Ernesto Humberg

Presidente do Conselho Consultivo do PNBE

Gilson J. Rasador

Advogado, é coordenador do PNBE