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Opinião|A sentença no caso Google

Decisão nos EUA que considerou o Google culpado na acusação de violar a lei antitruste do país pode ter impactos na maneira como todos nós navegamos na internet

Por Pedro Paulo Salles Cristofaro

A sentença da Corte do Distrito de Columbia que considerou o Google culpado na acusação de violar a lei antitruste dos Estados Unidos pode ter impactos na maneira como todos nós navegamos na internet, especialmente quando estamos usando nossos telefones celulares. Mas ainda é cedo para saber que impactos serão esses.

De acordo com a sentença, o Google detém o monopólio nos mercados de busca e de publicidade de texto na internet. O que caracteriza o monopólio é o poder de um agente econômico cobrar preços maiores do que seriam praticados em mercados competitivos e de excluir competidores. O porcentual de participação no mercado pode ser uma evidência indireta da existência do monopólio, e, no caso do Google, foi demonstrado no processo que em 2020 ele tinha cerca de 90% do mercado de buscas na internet e cerca de 95% do mercado de buscas através de telefones celulares. Ou seja, ao menos 9 em cada 10 usuários que querem fazer uma busca na internet usam o Google.

Mas a simples existência do monopólio não é ilegal. Nos Estados Unidos (assim como no Brasil), o que é proibido é o monopolista usar o seu poder para excluir rivais ou impedir a entrada de outros competidores no mercado. De acordo com a sentença, o Google fez isso ao celebrar certos contratos com desenvolvedores de programas de acesso à internet (Apple e Mozilla), os maiores fabricantes de celulares do sistema Android (Samsung, Motorola e Sony) e as maiores operadoras de telefonia móvel nos Estados Unidos (AT&T, Verizon e T-Mobile).

De acordo com esses contratos, pelos quais o Google pagou em 2021 a impressionante soma de US$ 26,3 bilhões, o buscador do Google é o default de quase todos os telefones celulares utilizados no mundo. Assim, quando usamos nossos celulares para fazer uma busca na internet, seja ele um iPhone, um Galaxy ou um Motorola, automaticamente usamos o Google.

Nada impede que o usuário do telefone baixe um aplicativo de outro buscador, ou que procure outro buscador na internet (através do Google) para só depois fazer a sua busca. Mas a realidade se impõe: quase ninguém age assim. A regra, o normal, numa situação como essa é seguir o default.

Por isso, de acordo com a sentença, os contratos criam uma barreira à entrada de outros buscadores no mercado. Além do mais, como os buscadores se alimentam das informações dos usuários para melhorar a qualidade de suas buscas, e o Google presta serviços a uma quantidade de usuários numa escala muito maior do que a dos seus concorrentes, as buscas do Google são melhores do que a de seus concorrentes, não por causa da qualidade do programa empregado, mas em razão das restrições ao acesso dos demais competidores ao mercado.

A sentença entendeu que essa conduta seria ilegal, mas ainda não aplicou uma penalidade nem determinou medidas específicas para solucionar o problema. Essas medidas podem ser muito amplas. No caso do Google, a única medida que parece certa é a determinação de que os contratos celebrados pelo Google sejam revistos, e que o Google deixe de ser o default dos telefones celulares.

Assim, caso a sentença não seja modificada após um recurso que certamente será apresentado pelo Google, a primeira mudança que teríamos em nosso dia a dia é que nossas buscas através de telefones celulares não seriam automaticamente feitas pelo Google. Com isso, é possível que outros buscadores ganhem espaço no mercado, é possível que tenhamos mais alternativas.

Mas existem outras questões que trazem dúvidas sobre os reais impactos dessa decisão. O mercado de buscas na internet está na iminência de uma nova revolução, decorrente do uso, cada vez mais intenso, da inteligência artificial. Ninguém é capaz de dizer, com segurança, como faremos nossas buscas daqui a cinco ou mesmo daqui a um ano. Usaremos o Google? O ChatGPT? Alguma invenção que nem imaginamos? Nesse sentido, a decisão se baseia num mercado de pouco tempo atrás que já não é o mesmo hoje e não será o mesmo amanhã.

Essa é uma dificuldade que as leis antitruste enfrentam num mundo dinâmico como o que vivemos. Há 20 anos, em um caso tão rumoroso como este, e que é muito citado no caso Google, um juiz determinou a divisão da Microsoft. A preocupação, na época, era com a possível monopolização do acesso à internet, pelo programa da Microsoft, o Internet Explorer. Passado o tempo, a sentença do caso Microsoft foi modificada, a Microsoft não foi dividida e o Internet Explorer deixou de existir. E a Microsoft não domina o mercado de provedores de acesso à internet, que tem como líder o Chrome, da Google.

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ADVOGADO, É PROFESSOR DE DIREITO ECONÔMICO DA PUC-RIO

Opinião por Pedro Paulo Salles Cristofaro

Advogado, é professor de Direito Econômico da PUC-Rio