Já adiantando o final deste artigo, é preciso que todos entendam o Sistema Único de Saúde (SUS) como o próprio nome já intui: um sistema único, universal, nacional e interligado.
Recentes discussões sobre a retomada do novo marco dos planos de saúde na Câmara — a Consulta Pública lançada pela Agência Nacional de Saúde (ANS) para a implementação de um tipo de plano de saúde barato sem o mais básico dos atendimentos de emergência e internações; a judicialização que o modelo público e o modelo privado enfrentam; o subfinanciamento de unidades públicas de saúde geridas pela administração pública direta ou por parceiros privados; a ampliação e aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor, do Estatuto da Criança e do Adolescente e do Estatuto do Idoso — ao contrário do que se pode pensar, estão amplamente conectados e fazem parte do sistema único e nacional de saúde.
O grande desafio do qual depende o sucesso da saúde no País está justamente em entender que não é mais possível estabelecer um novo marco para planos de saúde sem que as demais questões apresentadas acima sejam incorporadas numa discussão ampla e elevadas ao patamar de política pública e de estratégia pública e universal de saúde no País.
Equilibrar os pratos que giram em intensidades diferentes já não tem sido possível e, aqui, obviamente, eu não estou fazendo absolutamente nenhum juízo de valor de maneira a atribuir um peso maior ou menor sobre os ombros da iniciativa pública ou da iniciativa privada.
A proposta é que nos coloquemos para pensar no sentido de que o sistema é único, nacional e, portanto, o desafio tem de ser enfrentado sem que haja divisão e barreiras entre o público e o privado, pois um influencia e interfere verticalmente no outro e ambos colaboram para o resultado negativo ao usuário desse sistema único.
Permitam-me a comparação até mesmo básica, mas estamos num avião chamado sistema nacional de saúde. Este avião está caindo e pouco importa se você está na primeira classe, na executiva ou na econômica.
Portanto, é importante que se busque o consenso e que se conscientize, desde o Judiciário, agência reguladora dos planos de saúde, o Poder Executivo e os parceiros público-privados, como também os órgãos de defesa do consumidor de que se o sistema é um só, e que as decisões, ainda que compartimentalizadas ou setorizadas, não podem mais ser tomadas de maneira monocular e isoladas do todo.
A judicialização desmedida sem uma análise adequada dos direitos e obrigações estabelecidas num contrato de plano de saúde desdobra-se nos altos reajustes destes mesmos planos. Por outro lado, as adoções de planos incompletos, sem coberturas mínimas e adequadas, se desdobram na judicialização e fazem com que esses usuários se socorram do atendimento público de saúde.
A hiperutilização do atendimento público de saúde se desdobra no aumento das filas de espera para atendimentos públicos (inclusive de cirurgias e tratamentos oncológicos) e desemboca na judicialização que também encarece o modelo público de saúde e que gera o “benefício” de furar a fila para os que buscam a judicialização.
Isso encarece o sistema de atendimento público quando comparado aos valores recebidos por essas unidades públicas para a realização de seus atendimentos, sendo uma das causas do já conhecido subfinanciamento do sistema.
A somatória desses problemas e desta cadeia de eventos colapsa a cada dia o sistema nacional, ou único de saúde.
Se compararmos este sistema a um paciente com múltiplas doenças, o que estamos fazendo é tratar cada sintoma isoladamente com um remédio para cada um deles, sem se preocupar com o todo e com os efeitos colaterais e interações que cada um desses tratamentos e medicações gera no outro. Estamos cometendo um erro médico e matando o paciente. Simples assim.
É isso que fazemos quando não inserimos todas essas discussões num único e amplo projeto de política pública e de estratégia de saúde.
Não é por acaso que a Lei n.º 8.080, conhecida como a lei do SUS, em seu artigo primeiro, “regula, em todo o território nacional, as ações e serviços de saúde, executados isolada ou conjuntamente, em caráter permanente ou eventual, por pessoas naturais ou jurídicas de direito público ou privado”.
Mas é por descaso ou por desatenção ao conceito legal que permanecemos compartimentalizando decisões e soluções que, como resultado, apenas desarticulam e inviabilizam o sistema nacional de saúde.
É preciso que se aproveite a oportunidade e a necessidade atuais para que se estabeleça no Congresso Nacional, uma frente ampla de discussão de maneira a propor que um novo marco legal trate a saúde como sistema nacional interligado e com uma legislação federal que possa tratar de maneira única todos esses desafios que hoje são tratados isoladamente.
A criação de um sistema único e nacional de saúde é uma medida que se impõe como conceito civilizatório.