A concessão do Prêmio Nobel de Economia a Daron Acemoglu, Simon Johnson e James A. Robinson é um marco não apenas para o campo da economia, mas também para o Direito e a teoria do desenvolvimento – especialmente em um país que segue fazendo escolhas erradas de política pública nesse campo. Partindo da tradição de Ronald Coase, servindo-se das lições de Douglass North (ambos também laureados), aqueles acadêmicos agora vencedores do prêmio mais cobiçado na economia trouxeram uma perspectiva fundamental ao debate sobre o papel das instituições na prosperidade das nações. Contudo, inovam em relações aos seus antecessores ao identificar as instituições políticas como determinantes para as instituições econômicas. Assim, Karl Marx não teria razão ao definir que são as relações econômicas (“superestruturas”) que condicionam e determinam a política.
E o que são instituições? São as regras do jogo – formais e informais – que geram incentivos comportamentais (no jargão econômico) ou “expectativas normativas” (para sociólogos sistêmicos). O Direito passa então a ter papel fundamental para a economia, especialmente as cortes de Justiça (Direito em ação).
Acemoglu e seus colegas demonstraram, com grande rigor, que o desenvolvimento econômico não pode ser explicado apenas por fatores puramente geográficos, religiosos ou culturais, mas, sobretudo, pela qualidade das instituições políticas e econômicas. Instituições políticas e econômicas inclusivas – aquelas que promovem a participação política e na economia – são essenciais para o desenvolvimento sustentável e a redução da desigualdade. Por outro lado, instituições políticas e econômicas extrativistas, que concentram poder político e recursos em benefício de poucos, geram estagnação e pobreza.
Do ponto de vista do Direito, essa premiação reforça a importância de se pensar o desenvolvimento institucional como um processo que deve ser apoiado por marcos regulatórios sólidos e previsíveis, um Judiciário previsível e imparcial, que respeite propriedade privada e contratos, além de uma governança que incentive a competição justa e a inovação. Nessa toada, as leis e o Judiciário afetam os incentivos e comportamentos dos agentes econômicos e políticos (grandes transformadores da sociedade). Instituições que respeitam contratos, protegem os direitos de propriedade e promovem o enforcement adequado das normas são fundamentais para o crescimento e desenvolvimento.
Na prática, isso significa que países que buscam desenvolvimento devem focar na reforma institucional, na redução de custos de transação e na criação de um ambiente que permita a participação política e a livre iniciativa. O Direito tem um papel crucial nesse processo, servindo como limites ao poder político e pilar para garantir que essas instituições sejam robustas e funcionais, minimizando as falhas de mercado e corrigindo assimetrias de poder e informação.
Portanto, o reconhecimento da obra desses economistas destaca o papel central das instituições e reforça o quanto o Direito – quando bem desenhado e aplicado – pode ser um vetor de desenvolvimento econômico e social. A premiação é uma oportunidade para os estudiosos do Direito refletirem sobre como podemos continuar aperfeiçoando nossas instituições jurídicas e econômicas para promover um crescimento mais justo e inclusivo, especialmente tendo em conta os clássicos das ciências sociais brasileiras como Raymundo Faoro, Sérgio Buarque de Holanda, Roberto DaMatta, Victor Leal e tantos outros esquecidos.
Faoro bem explicava como funcionam os “donos do poder”; Holanda falava de nossa raízes de “cordialidade” e dos vínculos subjetivos e pessoais acima de relações impessoais; Leal nos explicou o coronelismo de nosso sistema político e como o Estado funciona, especialmente a polícia e o Judiciário, contra inimigos; DaMatta alerta-nos contra o “olha com quem está falando” e que a impessoalidade e cidadania no Brasil seriam uma ofensa a uma elite política que trata o público (rua) como privado (casa). Sem romper com isso, não seremos “civilizados” (para usar expressão do presidente do Supremo Tribunal Federal); se não criarmos instituições políticas verdadeiramente democráticas que ensejam a real participação popular por meio de eleições em que todos tenham a chance de votar e serem votados, por meio de um sistema de partidos racional e eficiente, não chegaremos a instituições de livre mercado! E, sem isso, não prosperaremos antes de envelhecermos.
Se os economistas nos legaram um país sem inflação, qual legado deixaremos nós juristas e operadores do Direito? Precisamos fazer nossa parte; necessitamos tomar decisões difíceis e romper com o “caminho da dependência” de instituições políticas extrativistas que não permitem uma economia de mercado livre e aberta.
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ADVOGADO, PROFESSOR DA FGVSP, FOI PRESIDENTE DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE DIREITO E ECONOMIA