Redução da autonomia do estudante, engessamento do currículo e reserva de mercado para licenciaturas são o tripé da nova proposta do governo Lula para o ensino médio. O projeto enviado ao Congresso não detalha a prometida poupança para os alunos, mas desfaz boa parte da reforma do governo Temer, cuja implementação foi ignorada por Bolsonaro. Enquanto o mundo se prepara para uma grande revolução do mercado de trabalho com novas aplicações da inteligência artificial, o governo supostamente progressista aposta em corporativismo reacionário na agenda que deveria ser o nosso passaporte para o futuro.
Não existem hipérboles à altura da nossa tragédia educacional. Aos 21 anos de idade, 1 a cada 4 brasileiros não concluiu o ensino médio. São quase meio milhão de jovens por ano. Ricardo Paes de Barros e Laura Muller Machado calcularam o custo: cada um deixa de produzir R$ 372 mil ao longo da vida. No agregado, o prejuízo da evasão chega a R$ 214 bilhões por ano para o País. A cifra traduz, em dinheiro, um crônico desperdício de talentos.
Os efeitos são desiguais, de acordo com a origem. Todos os filhos das famílias mais ricas concluem os estudos básicos. Entre os mais pobres, 8 a cada 10 abandonam a sala de aula. Quantos Machados de Assis estamos condenando à falta de alfabetização plena? Jamais seremos um país livre enquanto os destinos individuais estiverem tão traçados desde a maternidade, conforme o CEP de cada mãe.
O Novo Ensino Médio previa a construção de trilhas formativas para valorizar o poder de escolha do estudante. Disciplinas personalizadas conforme as opções de cada um, com menos carga de matérias obrigatórias e mais integração ao mercado de trabalho por meio do ensino técnico. A evasão enfrentada com a aposta na liberdade, dando protagonismo aos jovens na construção de seus projetos de vida.
Há grandes desafios de implementação, fato negligenciado pelo governo Bolsonaro. Nesse escopo, é coerente discutir um desenho de transferência direta para estudantes de baixa renda, como previsto na Lei de Responsabilidade Social defendida por Simone Tebet. Parte do dinheiro, como bolsa permanência, auxilia as condições imediatas da dedicação ao estudo. Outra parte, como poupança para a conclusão, ajuda a provocar sonhos para o futuro.
Agora, sem avançar com a poupança, o governo Lula cedeu à pressão corporativista para desfazer quase tudo e retomar o velho ensino médio. A proposta combina mais carga de disciplinas obrigatórias com reservas de mercado para suas licenciaturas.
A contrarreforma do MEC é uma insistência no fracasso. Nosso sistema educacional gasta R$ 2,2 bilhões por dia útil. São R$ 556 bilhões por ano, ou 6,2% do PIB. Um volume proporcional maior que 83% dos países do mundo. Enquanto isso, o aprendizado está entre os 15% piores nos testes internacionais. Quando comparamos gastos por desempenho, o Brasil tem o sistema educacional mais ineficiente do mundo. Não é exagero ou figura de linguagem, mas uma constatação precisa: nenhum país do mundo usa tanto dinheiro e tem um resultado tão ruim quanto o nosso.
Retomar o modelo mais ineficiente do mundo é uma insanidade. É a decisão de privilegiar os interesses corporativistas dos lobbies de sindicatos da educação e desprezar os sonhos dos jovens brasileiros mais pobres, que clamam por uma oportunidade de desenvolver seus talentos.
Não há tempo a perder. A cada instante, o problema se torna mais grave. Ao longo do século 20, milhares de trabalhadores da indústria foram substituídos por máquinas, e bancários por caixas eletrônicos. A tecnologia automatiza processos e reduz custos de postos de trabalho de natureza operacional. Agora, estamos diante de uma revolução ainda mais ampla. A inteligência artificial extinguirá empregos cada vez mais complexos.
São fatos irreversíveis. Em condições favoráveis, estaríamos comemorando uma excelente notícia para a humanidade: a capacidade de produzir mais riqueza com menos esforço. O lado triste é que, se continuarmos ignorando esse fenômeno e as profundas transformações que ele implica, poderemos acabar engolidos por ele. No Brasil, já profundamente desigual, veremos ainda mais desigualdade. Ainda mais desperdício de talentos humanos.
Os novos tempos exigem novas dinâmicas do mercado de trabalho e novos modos de educar nossos jovens. Os empregos do futuro demandam cada vez mais qualificação, produtividade, capacidade criativa e habilidade de adaptação.
Para colocar a eficiência econômica a serviço do bem-estar humano, devolvendo aos jovens o direito de sonhar com o próprio futuro, precisamos de uma visão política aberta para a inovação, com coragem de romper com as forças corporativistas do atraso para implementar reformas ousadas. O futuro começa com uma nova educação: flexível, criativa, interdisciplinar e conectada às inovações do mercado. O exato oposto do rumo apontado pelo governo Lula.
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JORNALISTA, É COFUNDADOR E DIRETOR DO LIVRES