Ao longo deste ano, o Brasil estará em evidência por sediar a COP-30 em um contexto de emergências climáticas. O fato de esse evento ser realizado na Amazônia terá significado especial pelo que a região representa para a temática, seja como depósito natural de carbono fixado em sua biomassa, seja como regulador climático por meio de sua evapotranspiração. Mas não é só por dispor de mais da metade da Floresta Amazônica que o Brasil ocupa lugar central no debate sobre mudanças climáticas. Além de sua enorme biodiversidade, o País é potência também em duas áreas diretamente ligadas à temática: a energética e a alimentar. Trata-se, portanto, de um debate estratégico e de interesse nacional.
Em relação aos temas a serem discutidos ao longo deste ano, para além das necessárias ações de mitigação e adaptação às mudanças climáticas, um outro, de natureza geopolítica, deve fazer parte das discussões: a gestão soberana de territórios vulneráveis. Trata-se de um debate que preocupa os países do Hemisfério Sul e que há décadas vem sendo entendido como ameaça à sua defesa nacional.
O fato é que a tensão entre interesses globais (no caso a mitigação das mudanças climáticas) e o interesse lícito desses países de buscarem alternativas de desenvolvimento de forma soberana tende a se agravar nos próximos anos. David Held denominou de o “paradoxo da governança atual” o fato de as grandes questões coletivas da humanidade, como as mudanças climáticas, serem de natureza transfronteiriça, enquanto os meios para abordá-las serem baseados em Estados vulneráveis e débeis. Nesse sentido, têm sido comuns discursos de autoridades globais defendendo ideias de internacionalização da Amazônia. O polêmico artigo publicado por Stephen Walt, em 2019, e inicialmente intitulado Who will invade Brazil to save the Amazon? (Quem vai invadir o Brasil para salvar a Amazônia?), expressa bem essa tensão. Entretanto, se de fato as elites globais quiserem enfrentar os desafios das mudanças climáticas, terão que repensar esse tipo de pressão.
É preciso considerar que, diferentemente de outros espaços geográficos fundamentais para o clima, como os oceanos e a Antártida, a Amazônia é um território sob jurisdição soberana. Nesse sentido, discursos sobre a relativização de soberania mostram-se contraproducentes na medida em que aguçam posturas defensivas – como a busca do desenvolvimento a qualquer custo – e geram desconfiança em relação a ajudas internacionais (mesmo aquelas genuínas), tornando o ambiente mais conflitivo. Além disso, na prática, a governança global não dispõe de instrumentos efetivos para a gestão de territórios vulneráveis.
Em suma, por mais que os desafios das mudanças climáticas sejam de ordem transnacional, suas soluções passam necessariamente pela reafirmação da autoridade dos Estados nacionais, afinal os acordos internacionais sobre o clima são implementados pelos Estados que, para tanto, precisam ser fortes o suficiente para implementá-los. Trata-se de encontrar soluções que combinem legitimidade e soluções sustentáveis, associando interesses nacionais e ações efetivas de enfrentamento das emergências climáticas. Nesse sentido, a questão não demanda “menos soberania”, mas, pelo contrário, “mais soberania”.
Em contrapartida, os países da região precisam fazer o dever de casa. E, nesse esforço, não podem dispensar a ajuda internacional. A cooperação tecnológica e apoio financeiro são fundamentais para o desenvolvimento sustentável da região. É preciso também, no caso brasileiro, aceitar as críticas aos modelos de desenvolvimento historicamente adotados que, de forma autoritária e centralizadora, visam a, nas palavras de Golbery do Couto e Silva, “inundar de civilização a hileia amazônica”, de fora para dentro, sem considerar as demandas reais de cada uma das múltiplas realidades locais.
Desde então, não obstante os desafios hercúleos que se impõem, tem sido notório o esforço brasileiro em relação ao meio ambiente. A assinatura do Tratado de Cooperação Amazônica, em 1978, a realização da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (Eco-92), em 1992, e a adoção de uma rigorosa legislação ambiental são exemplos desse esforço.
O que o mundo precisa para ajudar a resolver os problemas da Amazônia não é questionar a capacidade soberana de seus países, já combalida pelas ameaças transfronteiriças presentes naquela região e que têm gerado uma nefasta conexão entre crime e degradação ambiental, alimentando um círculo vicioso em que a miséria, a devastação e a violência se reforçam mutuamente, como já alertado por este jornal (Anomia na Amazônia, 29/6/2023). Pelo contrário, para enfrentar os desafios da mitigação e adaptação das mudanças climáticas na Amazônia, inclusive suas conexões com o ilícito, o mundo precisará de Estados fortes, com mecanismos adequados de comando e controle, com uma boa consciência situacional e capacidade de gestão soberana de seu território.
O grande desafio estratégico do Brasil será o de comunicar, ao mesmo tempo, sua responsabilidade ambiental e a defesa “inegociável” de sua soberania. É preciso comunicar ao mundo, de forma coerente, o tamanho do desafio e o quanto os países da região têm se esforçado para a proteção e o desenvolvimento sustentável da Amazônia. É preciso demonstrar que não há incompatibilidade entre afirmação soberana e sensibilidade socioambiental, assim como declarou o embaixador André Aranha Corrêa do Lago, secretário do Clima, Energia e Meio Ambiente do Ministério das Relações Exteriores, durante a 1.ª Conferência Internacional sobre Soberania e Clima, realizada em Brasília, em junho de 2023: “A força maior da soberania brasileira sobre a Amazônia reside no fato de que ninguém pode cuidar da Amazônia melhor do que nós; agora, nós podemos cuidar dela melhor do que estamos cuidando”.
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DOUTOR EM CIÊNCIA POLÍTICA PELA USP, É PROFESSOR DE GEOPOLÍTICA NA ESCOLA SUPERIOR DE DEFESA E DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS NO UNICEUB