Opinião | Ambiente de negócios necessário para facilitar metas climáticas

Com as condições adequadas – políticas sólidas, financiamento estratégico e parcerias eficazes –, o Brasil pode transformar soluções locais em impactos globais duradouros

Por Giuliana Godoy

Durante a COP-29, realizada em novembro no Azerbaijão, o Brasil apresentou sua nova Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC, na sigla em inglês), comprometendo-se a reduzir as emissões líquidas de gases de efeito estufa entre 59% e 67% até 2035, tomando como referência os níveis de 2005. Além disso, o País reafirmou o compromisso de alcançar desmatamento ilegal zero até 2030, consolidando sua posição como um ator-chave na agenda climática global.

As Soluções Baseadas na Natureza (NBS, na sigla em inglês) emergem como pilar central dessa estratégia. De acordo com relatório do Boston Consulting Group (BCG), o Brasil tem o maior potencial para NBS, podendo mitigar até 1 gigatonelada de CO2 por ano por meio dessas soluções e gerar receitas de até US$ 70 bilhões. Adicionalmente, o Brasil tem potencial para se consolidar como um hub climático global, com capacidade de atrair entre US$ 2,6 trilhões a US$ 3 trilhões em investimentos relacionados ao clima até 2050.

Capital natural. Contudo, transformar esse potencial em realidade exige superar desafios significativos. O primeiro deles é valorizar o capital. Enquanto soluções tradicionais, como energia renovável, podem ser mensuradas por métricas claras e universais, como a redução de emissões de CO2, o capital natural exige abordagens multifacetadas que incluam variáveis como biodiversidade, saúde do solo, regulação hídrica e impactos sociais.

Essa complexidade é ainda mais evidente em ecossistemas altamente dinâmicos, como florestas tropicais, em que as interações entre fatores biológicos, geográficos e climáticos dificultam a criação de padrões de avaliação uniformes.

Outro ponto crítico é a falta de métricas padronizadas para quantificar serviços ecossistêmicos, como o papel dos “rios voadores” da Amazônia no ciclo global de chuvas e na regulação hídrica. Essa ausência dificulta a comparação entre projetos em diferentes contextos e impacta diretamente o desenvolvimento de políticas públicas e produtos financeiros que reflitam o verdadeiro valor dos serviços fornecidos pela natureza.

Além disso, o capital natural apresenta uma característica única: ele é profundamente local e não replicável em outros contextos. Isso significa que os modelos de avaliação devem ser adaptados para capturar a especificidade de cada ecossistema, o que exige dados robustos e tecnologias avançadas para monitoramento.

No entanto, a disponibilidade de dados confiáveis ainda é limitada em muitas regiões, especialmente em mercados emergentes, dificultando a integração do valor do capital natural a estruturas financeiras convencionais. Essa lacuna não apenas desincentiva investimentos, mas também perpetua a visão de que a natureza é “invisível” dentro dos sistemas econômicos globais.

Capital catalítico e paciente. Os projetos de NBS frequentemente apresentam ciclos de maturação longos, com retornos financeiros que podem levar de 7 anos a 20 anos para se concretizar, dependendo da intervenção. Esse horizonte prolongado contrasta com as expectativas de investidores privados, que geralmente buscam resultados em até dez anos.

Quando somado a fatores como incertezas fundiárias, complexidade operacional e risco cambial no Brasil, esse desalinhamento agrava a percepção de risco, dificultando a atração de capital e reduzindo o potencial de expansão do setor.

A magnitude do desafio financeiro para NBS é destacada pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Unep, na sigla em inglês), que estima que os investimentos anuais precisam mais do que triplicar, de US$ 200 bilhões para entre US$ 542 bilhões e US$ 700 bilhões até 2030, para atingir metas globais como o Acordo de Paris e o Marco Global de Biodiversidade.

Entretanto, a natureza atualmente recebe apenas 15% dos fluxos financeiros destinados a sistemas de energia limpa, evidenciando a disparidade na alocação de recursos.

Nesse contexto, o capital catalítico se torna indispensável. Com sua capacidade de assumir riscos maiores e incentivar outros tipos de financiamento, ele pode reduzir o risco percebido por investidores e atrair capital adicional, especialmente de instituições privadas que evitariam o setor em condições normais. Instrumentos como garantias públicas, fundos concessionais e modelos financeiros híbridos são essenciais para desbloquear esses recursos.

Além disso, esse tipo de capital desempenha um papel crítico ao financiar as etapas iniciais de projetos – como pesquisa, planejamento e construção de infraestrutura –, frequentemente as mais arriscadas e menos atrativas para investidores tradicionais.

Já o capital paciente complementa essa abordagem ao proporcionar flexibilidade e comprometimento de longo prazo, permitindo que projetos com ciclos de maturação extensos tenham tempo suficiente para gerar retornos financeiros e socioambientais significativos.

A combinação desses dois tipos de capital é fundamental para superar barreiras estruturais em mercados emergentes, nos quais NBS enfrentam altos custos transacionais.

Projetos florestais, por exemplo, enfrentam desafios como a dispersão de propriedades, que eleva os custos transacionais em razão da necessidade de múltiplas diligências, documentação fragmentada e a ausência de padrões contratuais consolidados, comuns em setores mais estruturados como energia. Além disso, garantir o engajamento das comunidades locais que habitam essas áreas é essencial para torná-las participantes ativas e beneficiárias diretas dos projetos, o que exige esforços adicionais em inclusão, governança e planejamento. Esses fatores aumentam significativamente a complexidade e os custos operacionais.

Inovação nas métricas. Enfrentar a complexidade de mensurar o capital natural exige uma abordagem integrada e colaborativa, sustentada por investimentos significativos em tecnologia e equipes de campo.

Metodologias reconhecidas, como o The Economics of Ecosystems and Biodiversity (TEEB), o Natural Capital Protocol e o United Nations System of Environmental-Economic Accounting (UN SEEA), já fornecem diretrizes valiosas para avaliar e monetizar os serviços ecossistêmicos, possibilitando a integração do valor da natureza em decisões econômicas.

Mas sua aplicação depende de uma combinação eficiente de ferramentas tecnológicas e trabalho em campo.

Os sistemas de MRV (monitoramento, relato e verificação), como satélites, sensores remotos e inteligência artificial, permitem acompanhamento em tempo real, padronizado e escalável, essencial para gerar dados confiáveis e acessíveis.

Porém a tecnologia por si só não é suficiente. Equipes locais desempenham um papel indispensável ao coletar dados diretamente no campo, garantindo que sejam contextualizados e representem a realidade dos ecossistemas, especialmente em regiões complexas como a Amazônia.

Enquanto não conseguirmos colocar um preço justo no valor invisível da natureza, será difícil competir com o modelo de negócios convencional, que frequentemente prioriza práticas como o desmatamento e a exploração predatória em razão dos retornos financeiros rápidos e tangíveis que essas ações proporcionam.

Alianças estratégicas. Estudos da Inovação Financeira para Amazônia, Cerrado e Chaco (Ifacc) indicam que uma injeção de US$ 2 bilhões em capital catalítico até 2030 poderia destravar entre US$ 6 bilhões e US$ 8 bilhões em financiamento privado, ampliando significativamente o impacto de iniciativas sustentáveis.

Estratégias como blended finance, linhas de crédito subsidiadas, seguros, garantias e o apoio de fundações filantrópicas são essenciais, especialmente para impulsionar o desenvolvimento desses setores em mercados emergentes, frequentemente percebidos mais pelos seus riscos do que pelas oportunidades que oferecem.

A colaboração multissetorial atua como um catalisador para destravar investimentos e ampliar o impacto das NBS. ONGs trazem conhecimento técnico e local; empresas privadas impulsionam inovação e escala; instituições financeiras não apenas fornecem financiamento, mas também ajudam a estruturar modelos viáveis para os projetos. Os governos, por sua vez, oferecem suporte regulatório essencial.

Essa sinergia facilita a implementação de iniciativas sustentáveis e torna os projetos mais atraentes para investidores, ao alinhar esforços complementares de diferentes setores.

Exemplos concretos ilustram o potencial dessas abordagens. O Bezos Earth Fund investiu US$ 60 milhões em parcerias com organizações como a Global Environment Facility (GEF) e o WWF, priorizando projetos de restauração em ecossistemas críticos.

A iniciativa Giving to Amplify Earth Action (Gaea), fundada em 2023 e liderada pelo Fórum Econômico Mundial, combina capital filantrópico, público e privado para enfrentar crises climáticas e de biodiversidade, mobilizando até US$ 3 trilhões anuais. Entre os parceiros estão governos, como os da Noruega e Reino Unido, empresas como BlackRock e fundações como IKEAFoundation.

No Brasil, o Programa Reverte, liderado por Syngenta, Itaú BBA e The Nature Conservancy (TNC), é um exemplo de sucesso. Com um investimento de US$ 117 milhões, o programa restaurou mais de 82 mil hectares de pastagens degradadas no Cerrado, promovendo práticas agrícolas regenerativas e reduzindo a pressão sobre áreas nativas, fortalecendo cadeias produtivas sustentáveis.

Vendas antecipadas. E, por último, mas não menos importante, os contratos de offtake desempenham um papel essencial em projetos de créditos de carbono e energia. Ao garantir a compra antecipada de produtos ou serviços, esses contratos oferecem previsibilidade de receita, reduzem riscos e facilitam o acesso a financiamento. Como catalisadores, os offtakes ajudam a assegurar o fluxo de caixa dos projetos, aumentando sua atratividade para investidores e ampliando sua viabilidade no longo prazo.

Assim, com as condições adequadas – políticas sólidas, financiamento estratégico e parcerias eficazes –, o Brasil pode transformar soluções locais em impactos globais duradouros. Ajustar o risco e mobilizar recursos para projetos brasileiros não é apenas uma oportunidade, mas uma necessidade urgente.

*

FORMADA EM ADMINISTRAÇÃO DE EMPRESAS NO INSPER, COM ESPECIALIZAÇÃO EM FINANÇAS SUSTENTÁVEIS PELA UNIVERSIDADE DE OXFORD, É GERENTE DE ESTRATÉGIA DA CARBONEXT

Opinião por Giuliana Godoy

Formada em Administração de Empresas no Insper, com especialização em Finanças Sustentáveis pela Universidade de Oxford, é gerente de Estratégia da Carbonext.