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Opinião|Análise baseada em evidências é fundamental para mitigar as emissões de metano em aterros sanitários

Combinação de recuperação energética, reciclagem, biodigestão, compostagem e políticas públicas eficazes pode transformar a gestão de resíduos em ferramenta poderosa para mitigar o aquecimento global

Por Fabio Rubens Soares

A gestão de resíduos sólidos e as emissões de gases de efeito estufa (GEE) representam desafios críticos para a sustentabilidade ambiental e a saúde pública. É fundamental abordar esses desafios de maneira holística, integrando as melhores práticas e dados científicos disponíveis para mitigar seus impactos. Conforme artigo assinado por Pedro Maranhão em 11 de julho de 2024, de título Para lidar com o metano, não podemos confundir aliados e inimigos, não considero, sinceramente, “um erro culpar os aterros sanitários como um dos principais responsáveis pelo lançamento do gás na atmosfera”. A análise de dados científicos recentes demonstra que essa perspectiva merece uma reconsideração mais aprofundada.

Os aterros sanitários são, de fato, uma fonte significativa de emissões de metano, um potente gás de efeito estufa. Estudos recentes, como os realizados pela Universidade Columbia em colaboração com a Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos (EPA), revelam subestimações substanciais nas emissões de metano de aterros sanitários. Medições in loco indicam que a taxa média de geração de metano é de 0,05 tonelada por tonelada de resíduos sólidos municipais depositados, com uma média de 48% desse metano sendo efetivamente capturado por sistemas de captação de biogás (Themelis e Bourtsalas, 2021). Esses dados indicam claramente que há uma lacuna significativa entre a geração e a captação de metano, sugerindo a necessidade de melhorias nos sistemas de gestão e controle desses gases, além da adoção de sistemas mais sustentáveis para o tratamento de resíduos nos aterros sanitários.

Ressalto que tenho publicado e realizado, por mais de uma década, trabalhos no setor de aproveitamento energético de resíduos, biogás e biometano, sendo um grande defensor dessas tecnologias, e honestamente conheço bem o valor e a importância dos aterros sanitários no nosso país. Entendo que as tecnologias utilizadas na construção destes são as melhores disponíveis no momento, porém não há dúvidas de que os sistemas de tratamento de resíduos sólidos urbanos precisam ser reavaliados e caminhar consistentemente com os movimentos de redução de emissões de GEE.

Isso quer dizer que precisamos evoluir seguindo a experiência de países mais desenvolvidos do globo. Não podemos permanecer estáticos diante dos avanços tecnológicos no que se refere a tratamento e aproveitamento energético de resíduos. As medições aéreas publicadas na revista Science, em abril deste ano, apenas validaram o estudo da EPA, no sentido de que as emissões de aterros sanitários americanos são de 40% a 170% maiores do que o que consta nos inventários (Thorpe, 2023).

Alemanha, Dinamarca, Suíça, Bélgica, Países Baixos, Áustria, Finlândia e Japão eliminaram a destinação de matéria orgânica para os aterros sanitários há quase uma década, sendo obrigatório o tratamento desses resíduos antes da disposição em aterro.

As análises avançadas utilizando sobrevoos de aeronaves e imagens de satélites equipados com tecnologia de espectrometria de imagem mostram que os aterros sanitários emitem quase três vezes mais metano do que as estimativas oficiais reportadas à EPA nos Estados Unidos. Esse cenário exemplifica e destaca a necessidade urgente de aprimorar os sistemas de captação de metano nos aterros e adotar medidas complementares para reduzir as emissões, como o aproveitamento de resíduos orgânicos. A subestimação das emissões de metano não é apenas um problema técnico, mas também uma questão que impede a formulação de políticas públicas efetivas para a mitigação das mudanças climáticas.

De fato, os aterros sanitários são projetos complexos de engenharia, planejados para capturar e canalizar o metano de forma segura. No entanto, estudos têm mostrado que mesmo aterros licenciados e monitorados podem apresentar vazamentos significativos. A avaliação contínua e a melhoria das tecnologias de captação são essenciais para garantir que esses sistemas operem com máxima eficiência.

Para enfrentar os desafios da gestão de resíduos e das emissões de GEE, é crucial adotar estratégias multifacetadas. A implementação de sistemas avançados de captação de biogás em aterros, o aprimoramento das tecnologias de recuperação energética para minimizar emissões de gases de efeito estufa, a implementação de políticas eficazes de segregação de resíduos na origem e o uso inovador de dados de observação por satélite para monitoramento das emissões de metano em aterros sanitários são medidas essenciais. Essas estratégias não só contribuiriam para a redução das emissões, mas também promoveriam a sustentabilidade ambiental e a saúde pública.

Adicionalmente, a colaboração entre governos, setor privado, comunidade acadêmica e sociedade é vital para alcançar resultados significativos na luta contra as mudanças climáticas. A adoção de práticas de gestão de resíduos sustentáveis e tecnologias de mitigação de emissões contribuirá não só para a redução dos impactos ambientais, mas também para a promoção da saúde pública e do bem-estar a longo prazo. A sinergia entre diferentes setores e a integração de tecnologias avançadas são fundamentais para enfrentar os desafios impostos pelas mudanças climáticas de forma eficaz.

É importante salientar que a crítica às emissões de metano em aterros sanitários não busca desqualificar a infraestrutura de gestão de resíduos existente, mas sim apontar áreas em que melhorias são necessárias e possíveis. A evidência científica robusta sugere que a otimização dos sistemas de captação de metano e a promoção de tecnologias de recuperação energética podem desempenhar um papel crucial na redução das emissões de gases de efeito estufa. Portanto, é mais produtivo considerar as deficiências de processos de tratamento de resíduos sólidos urbanos (RSU) atualmente utilizados como um chamado à ação para aprimorar as práticas e tecnologias de gestão de resíduos.

A discussão sobre as emissões de metano e a recuperação energética de resíduos deve ser guiada por dados científicos e uma abordagem integrada. Reconhecer as limitações dos sistemas atuais e investir em tecnologias avançadas são passos fundamentais para uma gestão de resíduos mais sustentável e eficaz. As críticas construtivas baseadas em evidências científicas devem ser vistas como oportunidades para melhorar e inovar, garantindo assim um futuro mais sustentável para todos.

Uma das soluções mais promissoras para mitigar as emissões de metano é a recuperação energética de resíduos. Tecnologias Waste-to-Energy (WtE) não só reduzem o volume de resíduos destinados aos aterros, mas também geram energia limpa e renovável. Além de minimizar as emissões de GEE, essas plantas contribuem para a economia circular, transformando passivos ambientais em ativos energéticos. O sucesso dessas iniciativas na Europa, China e Japão, com 3 mil usinas termoelétricas de cogeração operando, serve como modelo para outras regiões, demonstrando que é possível equilibrar desenvolvimento econômico e proteção ambiental.

A reciclagem também desempenha um papel crucial na redução das emissões de metano. Ao desviar materiais recicláveis dos aterros, reduz-se a quantidade de matéria orgânica em decomposição, que é uma das principais fontes de metano. Programas de reciclagem bem estruturados e eficientes podem diminuir significativamente a concentração de matéria orgânica nos aterros e, consequentemente, as emissões de gases de efeito estufa. Investir em infraestrutura de reciclagem e educação ambiental é essencial para alcançar esses objetivos.

Outra abordagem eficaz é a utilização da biodigestão anaeróbia. Esse processo converte resíduos orgânicos limpos e segregados na origem em biogás e biofertilizantes, reduzindo a quantidade de resíduos destinados em aterros sanitários. A biodigestão não só diminui as emissões de metano, mas também oferece uma fonte renovável de energia e um produto útil para a agricultura. Estudos mostram que a implementação de biodigestores em larga escala pode ser uma solução sustentável e economicamente viável para a gestão de resíduos orgânicos.

Para garantir o sucesso dessas estratégias, é fundamental o apoio de políticas públicas robustas e incentivos governamentais para desviar resíduos de aterros sanitários e cumprir as diretrizes da Política Nacional de Resíduos Sólidos, que prevê que apenas o rejeito deva ser destinado aos aterros. Insistir em aterros sanitários como a primeira e a única opção tem sido um erro enorme no Brasil, além de que a dificuldade de licenciamento e gerenciamento tem resultado em um desastre ambiental sem precedentes, onde aproximadamente 40% do lixo é destinado a lixões e aterros controlados, causando grave dano ao meio ambiente e saúde pública.

A regulamentação adequada e os incentivos fiscais podem estimular investimentos em tecnologias de mitigação de emissões e promover práticas de gestão de resíduos mais modernas e sustentáveis. A criação de programas nacionais, como o Combustível do Futuro, o Programa de Aceleração da Transição Energética (Paten) e o Programa Nacional de Recuperação Energética (PNRE) exemplificam como a legislação pode impulsionar a adoção de tecnologias limpas e a transição para uma economia de baixo carbono, de modo a minimizar a disposição de resíduos em aterros sanitários e eliminar os lixões.

Em conclusão, a luta contra as mudanças climáticas e a redução das emissões de metano requerem uma abordagem integrada e baseada em evidências científicas. A combinação de recuperação energética, reciclagem, biodigestão, compostagem e políticas públicas eficazes pode transformar a gestão de resíduos em uma ferramenta poderosa para mitigar o aquecimento global e desviar biorresíduos de aterros. Ao abraçar essas soluções, podemos avançar rumo a um futuro mais sustentável e resiliente.

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ENGENHEIRO QUÍMICO PELA OSWALDO CRUZ, É DOUTOR EM ENERGIA PELA UFABC E PÓS-DOUTOR EM BIOENERGIA PELA USP

Opinião por Fabio Rubens Soares

Engenheiro químico pela Oswaldo Cruz, é doutor em Energia pela UFABC e pós-doutor em Bioenergia pela USP