Foto do(a) page

Conheça o Espaço Aberto na editoria de Opinião do Estadão. Veja análises e artigos de opinião em colunas escritas por convidados e publicadas pelo Estadão.

Opinião | Antissemitismo nas universidades: por que os palcos de diálogo deram lugar a manifestações de ódio?

A guerra entre Israel e Hamas avançou territórios, não com a presença de soldados, mas com a invasão de narrativas agressivas sem fundamento histórico

Por Marcos Knobel e Ricardo Berkiensztat

Na década de 1920, o cientista judeu Albert Einstein circulou com frequência na Universidade de Columbia, nos Estados Unidos, onde teve a oportunidade de apresentar diversas conferências quando já era um físico renomado. Apertando a tecla flashforward para os dias atuais, te convidamos a imaginar como seria a presença de Einstein no campus de uma universidade que tem sido palco de constantes protestos e ataques feitos por alunos e docentes contra os judeus.

Recentemente, Nemat Minouche Shafik, reitora de Columbia, foi convidada a comparecer ao Congresso americano para tentar explicar os motivos pelos quais essas manifestações não foram punidas. Ela não conseguiu. O mesmo ocorreu com as representantes das universidades de Harvard e Pensilvânia, que acabaram pedindo demissão de seus cargos após serem cobradas a agirem contra os casos de antissemitismo.

Situações como essa reforçam um fato: a guerra entre Israel e Hamas avançou territórios, não com a presença de soldados, mas sim com a invasão de narrativas agressivas, cheias de ódio e sem fundamento histórico que estão ganhando corpo em locais muito além das fronteiras do Oriente Médio. E vamos além: em espaços que são ambientes de debates e criação de massa crítica de pensamento.

Além de a guerra ter tirado do armário muitas sementes de ódio guardadas por séculos – provenientes do nazismo, por exemplo, com o neonazismo –, um dos grandes problemas é o silêncio diante dessas mobilizações, que, da forma como estão sendo feitas, calam as pessoas, por medo de serem canceladas, hostilizadas ou banalizadas. Sem ter esse propósito, por não gerar uma força de fala, o silêncio acaba dando ainda mais força para esse tipo de ataque. Se pararmos para pensar na possibilidade de um professor universitário incitar a morte de judeus em um campus antes de 7 de outubro do ano passado, isso seria algo impensável.

Uma vez que a universidade está deixando de atuar contra esse tipo de manifestação, torna-se conivente com esse tipo de ação em um ambiente que tem força para ajudar a mudar esse cenário. Casos como o de Columbia, Harvard e Pensilvânia mostram o despreparo das instituições de ensino ao redor do mundo para controlar a forma como elas se tornam um terreno importante para moldar pensamentos. Se nesses ambientes não está sendo possível ponderar a gravidade de atos como esses, a humanidade está tendo sérios problemas.

A crítica ao governo ou à guerra não configura um posicionamento antissemita. O que se espera é a geração de um debate no âmbito sociopolítico para enriquecer o conhecimento e estimular novos passos. Como diz o título de um artigo escrito pela professora Eva Alterman Blay, da USP: Contra o antissemitismo, a universidade é uma porta aberta à ciência.

A distância entre a liberdade de expressão e o abuso praticado contra qualquer tipo de minoria – não somente os judeus – é mínima. Todos podem dizer o que pensam, desde que esse espaço não prejudique o outro. Essa linha pode ser cruzada a qualquer momento e, se não há uma punição, entende-se que a instituição compactua com esse tipo de pensamento.

Acreditamos que, além da falta de punição, coibir essas manifestações de forma errada, com agressividade, também pode ser um “tiro no pé”. Ao serem expulsos, alunos ou docentes continuarão disseminando o ódio dos portões para fora e o antissemitismo não será trazido para o debate, o que representa um retrocesso.

As instituições de ensino brasileiras também têm sido palco desses ataques antissemitas contra alunos judeus. De acordo com dados do Departamento de Segurança Comunitária da Federação Israelita do Estado de São Paulo (DSC/Fisesp), de janeiro a setembro de 2023 ocorreram 14 denúncias de antissemitismo em instituições de ensino. Já no período a partir do início do conflito, de outubro de 2023 até março de 2024, o número aumentou para 50 denúncias, 257% a mais.

Por conta do aumento dos casos, criamos na Fisesp um grupo que tem feito visitas às reitorias de várias universidades para expor sua preocupação com a integridade física e mental dos alunos. Nessa aproximação, as instituições se comprometeram a lutar contra o antissemitismo e a dar lugar a debates balanceados sobre a questão do Oriente Médio. Em uma das principais universalidades públicas do País foi montado um comitê de sindicância para analisar cada denúncia, inclusive com a presença de um professor judeu. Nas grandes instituições privadas de ensino superior houve também a criação de canais diretos com a reitoria para qualquer denúncia.

A massificação do discurso de ódio só será possível de ser freada se houver um forte trabalho de educação, por meio de um acompanhamento e aposta em ações que estimulem a produção de conhecimento sobre o assunto. O caminho para a paz depende do combate ao ódio, à intolerância e à desinformação, não importa em qual lugar do mundo.

Enquanto ruidosos grupos estimulam o ódio no ambiente universitário sem qualquer fundamento e muitos no entorno se mantêm em silêncio, os judeus, como grupo minoritário, se sentem travando uma luta solitária pelo direito de existir e lembrar que há ainda 132 reféns capturados pelos terroristas do Hamas há mais de 200 dias. Manifestar incitando a morte de todo um povo e a aniquilação do Estado de Israel não traz solução para o problema, somente joga mais gasolina em um fogaréu que historicamente busca questionar o direto de existência do povo judeu. Nunca foi sobre defender uma causa, mas buscar justificar um ódio tão enraizado que faz com que aqueles que se dizem pacifistas se sintam no direito de agredir verbalmente e fisicamente qualquer pessoa que consigam identificar como judia. Qualquer semelhança com um enredo conhecido não é mera coincidência.

*

SÃO, RESPECTIVAMENTE, PRESIDENTE E PRESIDENTE-EXECUTIVO DA FEDERAÇÃO ISRAELITA DO ESTADO DE SÃO PAULO (FISESP)

Opinião por Marcos Knobel

Presidente da Federação Israelita do Estado de São Paulo (Fisesp)

Ricardo Berkiensztat

Presidente-executivo da Fisesp