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Opinião | Apostas esportivas e riscos à saúde pública

A indústria de apostas esportivas na internet deve ser tratada como outras que causam dependência e dano, como álcool e tabaco

Por Daniel Wei Liang Wang e Slobodan Tomic
Atualização:

A aposta esportiva no Brasil foi legalizada em 2018, por meio da Lei Federal n.º 13.756, que também deu ao Ministério da Economia competência para estabelecer as regras que o setor deve seguir. A regulamentação, porém, não foi feita durante o governo Bolsonaro, deixando as apostas esportivas num limbo: legalizadas, mas não regulamentadas.

Isso não impediu que a indústria de apostas esportivas online crescesse exponencialmente no Brasil. A estimativa do governo de que arrecadará até R$ 15 bilhões tributando as empresas de aposta esportiva mostra o tamanho deste mercado. A força do setor pode ser percebida pelo domínio de propagandas e patrocínios de sites de apostas nos grandes eventos esportivos.

O governo Lula já sinalizou que o setor será finalmente regulamentado. As discussões, por ora, têm se concentrado em questões tributárias e na prevenção da lavagem de dinheiro, da manipulação de resultados e de fraudes. Essas são questões importantes, mas há um aspecto que tem sido perigosamente negligenciado: o risco do jogo compulsivo e do vício.

Não é novidade que jogos de aposta podem viciar, mas jogos que podem ser feitos de qualquer aparelho celular potencializam o perigo. Como essas apostas podem ser feitas de forma solitária e em segredo, jogadores sentem-se menos inibidos e família e amigos demoram para perceber quando o jogo passa a ser um problema fora de controle. A rapidez, a frequência, a disponibilidade e a conveniência de apostas que geram resultados quase instantâneos estimulam o comportamento compulsivo. As apostas esportivas também se alimentam da crença de apostadores de que conhecem o esporte e, portanto, superestimam sua capacidade de fazer previsões precisas, o que aumenta a propensão a aceitar apostas mais arriscadas.

Ademais, os sites de aposta, pelo monitoramento dos hábitos dos usuários na internet e o uso de algoritmos, conseguem direcionar propagandas efetivas para manter e aumentar a frequência de apostas. Há evidências de que, quanto maior a propensão de uma pessoa a apostar compulsivamente, mais intensa é a propaganda direcionada a ela.

O impacto do vício em jogo em indivíduos, famílias e comunidades é bem documentado. Não são apenas problemas financeiros e sociais, como dívidas, perda de emprego e conflitos sociais e familiares. Conforme apontou a The Lancet Public Health Commission on Gambling, há uma associação entre vício em jogos de azar e problemas de saúde mental, abuso de substâncias e suicídio. É, portanto, um problema de saúde pública.

No Reino Unido, um dos maiores mercados de apostas do mundo, a regulação foi inicialmente fraca e os impactos negativos dessa atividade só passaram a ser levados a sério quando as consequências sociais e de saúde se tornaram drásticas. O problema lá é tão grave que o sistema público de saúde inaugurou clínicas públicas especializadas no tratamento do vício em jogos de azar, em 2022. Sob pressão do governo, a Premier League, a primeira divisão do futebol inglês, baniu patrocínios de empresas de apostas nos uniformes dos clubes.

À medida que os países desenvolvidos percebem os problemas relacionados às apostas online e começam a regulamentá-las de forma mais rígida, as empresas passam a direcionar seus investimentos para lugares onde a regulamentação é falha. O Brasil é um deles.

Simplesmente proibi-la pode não ser desejável ou factível, mas a indústria de apostas esportivas na internet deve ser tratada como outras que causam dependência e dano, como álcool e tabaco. Elas são permitidas, mas cercadas por leis e políticas públicas para desencorajar seu consumo, como restrições à publicidade e ao acesso, aumento de impostos e campanhas de alerta e informação. As mesmas estratégias devem ser consideradas para apostas esportivas.

Os desafios de regular uma indústria tão inovadora não são pequenos. Porém existem medidas específicas para o setor que devem ser consideradas, como limitar o valor máximo de apostas ou restringir propagandas direcionadas que usem algoritmos para manter o engajamento de apostadores.

Outras propostas incluem a criação de um cadastro nacional em que apostadores, empresas de aposta e apostas devem ser registrados. Cada apostador decide antecipadamente quanto está disposto a apostar por mês e, quando o valor for atingido, as empresas ficarão temporariamente impedidas de aceitar suas apostas. Alterações no valor máximo ficarão sujeitas a um período de carência, para garantir que seja uma decisão refletida. Esse sistema também pode permitir a autoexclusão de apostadores ou, por meio de inteligência artificial, identificar jogadores compulsivos, impedindo que sigam jogando.

A promessa de ganho rápido e fácil por meio de apostas online não deve distrair os jogadores e o governo das consequências sociais e de saúde dessa atividade.

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SÃO, RESPECTIVAMENTE, PROFESSOR DE DIREITO DA FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS-SP; E PROFESSOR DE POLÍTICA PÚBLICA E ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA NA UNIVERSITY OF YORK (REINO UNIDO)

Opinião por Daniel Wei Liang Wang e Slobodan Tomic