A incidência do autismo tem aumentado de forma significativa nas últimas décadas. O Brasil tem cerca de 2 milhões de pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA). No caso de adultos autistas, estima-se que cerca de 85% estão desempregados no País. O aumento real dessa incidência do TEA se deve a mudanças nos critérios de diagnósticos, à maior conscientização da doença e à consideração de fatores epigenéticos.
Estamos abordando na questão da empregabilidade autistas de alto funcionamento que pertencem às condições menos graves, nos quais a inteligência está preservada. Entretanto, mesmo esses sofrem pelas sérias dificuldades de comunicação; pelos problemas com as condutas interativas e sociais; e pela rigidez e estereotipia de seus comportamentos. Assim, pessoas com TEA têm enorme dificuldade para se adaptar ao mundo, principalmente ao mundo de hoje, que é fluido e líquido e está sempre em transição.
O funcionamento das pessoas com autismo que têm a inteligência preservada é o funcionamento de uma outra forma de mente, que se desenvolve sob um padrão diferente, o que faz com que esse indivíduo, durante sua vida inteira, também necessite de uma estimulação diferente. Ele precisa ser entendido em sua peculiaridade para que possa ser atendido no que necessita. As pessoas com autismo parecem ficar subordinadas às funções da informação, da coerência e da lógica. Para elas, serem compreendidas, aceitas e recebidas é serem gostadas. A confiabilidade no outro surge pela experiência relacional que acontece ao longo do tempo e leva à percepção da reciprocidade. Cultiva-se, assim, a tradição, a previsibilidade, a ética e a honestidade.
No caso do trabalho, mesmo com as cotas de inclusão nas empresas para trabalhadores com deficiências, previstas pela Lei n.º 8.213, de 1991, as pessoas com autismo raramente se beneficiam dessas cotas. Elas são entrevistadas, têm suas habilidades e seus currículos reconhecidos, mas são percebidas como seres pouco autônomos, que necessitariam de guia e de acompanhamento próximo. O mundo do trabalho dos tempos hipermodernos, mais antropofágico que nunca, não cede espaço nem tempo para o adulto pouco autônomo.
Hoje, no Brasil, empresas, principalmente as de ponta, possuem programas de inclusão para autistas de inteligência preservada. Mas ainda são poucas as organizações, se levarmos em conta o número de autistas que não conseguem emprego e se considerarmos a quantidade de companhias que existem no País. Infelizmente é um número que podemos classificar como insignificante.
Tal contexto ocorre pelo desconhecimento do potencial produtivo extraordinário que o autista de alto funcionamento possui para determinados tipos de trabalho. Além disso, não raro, existem empresas que foram mal-sucedidas com a tentativa de inclusão de pessoas com TEA devido ao despreparo dessas organizações, tanto no processo seletivo, para o recrutamento desses profissionais, quanto de treinamento das equipes que trabalhariam junto com eles.
Quando há um autista disputando uma vaga de emprego, é necessário levar em conta a equidade e não a igualdade. Em outras palavras, dificilmente ele será bem-sucedido em relação aos demais candidatos se estiver em pé de igualdade. Por exemplo, dependendo do tipo de prova ou de entrevista, em um processo de recrutamento, a pessoa com TEA, mesmo com altas habilidades, precisa de mais tempo que os demais concorrentes. Ou seja, a igualdade procura tratar todos da mesma forma, sem levar em conta suas necessidades. A equidade trata as pessoas de forma diferente, levando em conta o que elas necessitam. No caso dos autistas, em um processo seletivo, eles necessitam, em várias situações, de um auxílio maior do que os outros. Daí a importância de se aplicar o princípio da equidade.
O outro ponto importante é o preparo dos profissionais que irão se relacionar diretamente com a pessoa com TEA na organização. Não basta apenas contratar. Faz-se necessário conscientizar a equipe de trabalho em que ele vai estar inserido sobre informações a respeito do TEA e também realizar algumas pequenas adaptações no próprio local de trabalho, levando em conta as necessidades dele.
A equipe de trabalho deve estar ciente de que, na parte comportamental, pena, mimos, superproteção emocional e dedicação afetiva esmerada são dispensáveis para o autista. Além de inúteis, fazem com que ele experimente fracasso e culpa, pois é incapaz de, nesses termos, corresponder à ajuda recebida. Claro que pode e deve receber carinho e aconchego, desde que se tenha a consciência de que não é isso que ele de fato mais necessita. O que ele precisa, e muito, é de compreensão e ajuda para organizar o mundo e aprender a viver nele.
Oxalá tenhamos, no País, mais empresas que cedam espaço para as pessoas com TEA. Urge elas fazerem parte dessa tão propalada e necessária diversidade que se prega hoje para o mundo corporativo. É bom para os autistas, é bom para as companhias e é bom para o Brasil.
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SÃO, RESPECTIVAMENTE, PSICÓLOGA CLÍNICA, MEMBRO DA ACADEMIA PAULISTA DE PSICOLOGIA; E PROFESSOR DE RECURSOS HUMANOS E RELAÇÕES TRABALHISTAS DA FGV-SP