A dependência em apostas online vem se disseminando na população brasileira. As explicações para esse fenômeno podem incluir questões de ordem fisiológica, relacionadas, por exemplo, à liberação de dopamina que pode reforçar o comportamento compulsivo, e a influência de fatores socioeconômicos, como o desemprego e a desigualdade social.
Em um ambiente de incerteza, muitos criam a esperança de que as apostas podem ser uma solução rápida para problemas financeiros, sendo guiados por vieses cognitivos. Dentre esses vieses, a falácia do jogador leva o indivíduo a acreditar que, após uma série de perdas, a chance de ganhar aumenta, embora, estatisticamente, isso não seja verdadeiro. Já o viés de aversão à perda faz com que as pessoas evitem admitir prejuízos, levando-as a continuar apostando na tentativa de recuperar o que já foi perdido.
Foi nesse cenário que começou a se difundir, no Brasil, um novo modelo de negócio: as “bets eleitorais”. Isso porque as apostas em eleições se enquadrariam no conceito de aposta de quota fixa, conforme a redação do artigo 29, parágrafo 1.°, da Lei n.° 13.756/2018, já que, no momento de efetivação da aposta, fica definido quanto o apostador pode ganhar em caso de acerto do prognóstico. Sendo assim, ao menos por essa perspectiva, não haveria impedimento legal expresso para sua operação.
Contudo, essa dinâmica suscitou novas preocupações ao introduzir um fator exógeno à racionalidade eleitoral, capaz de desvirtuar o processo decisório. A possibilidade de que apostas políticas pudessem influenciar a integridade das eleições e afetar as motivações dos eleitores levantou novas questões, demandando um escrutínio regulatório mais rigoroso.
Como exemplo, na perspectiva do Direito Eleitoral, o artigo 33 da Lei das Eleições (Lei n.º 9.504/1997) proíbe a realização e divulgação de enquetes eleitorais sem critérios metodológicos específicos, estabelecendo que apenas pesquisas eleitorais devidamente registradas possam ser difundidas. Nesse sentido, seria essencial que as casas de apostas online divulgassem que as odds (fator multiplicador conferido a cada candidato conforme suposta possibilidade de vitória) não se confundem com pesquisas eleitorais, evitando que sejam publicizadas inapropriadamente.
Em acréscimo, a divulgação de odds poderia criar uma percepção de viabilidade eleitoral capaz de alterar a dinâmica de um primeiro turno. Mais especificamente, ao perceber que determinado político possui maior ou menor viabilidade, eleitores indecisos ou que pretendiam optar por um candidato com menos intenção de votos poderiam ajustar suas escolhas, favorecendo candidatos com mais chances de avançar para a fase final do pleito.
Ainda considerando o contexto eleitoral, as odds também poderiam ter efeitos negativos em cenários extremos. A visibilidade sobre os candidatos é capaz de acirrar as tensões e fomentar reações violentas, tanto por parte de indivíduos quanto de grupos organizados que veem suas chances de sucesso financeiro ameaçadas. Por exemplo, a lucratividade associada à vitória de um determinado candidato poderia levar à prática de atos de violência, com o objetivo de influenciar os resultados e maximizar os ganhos.
Essa modalidade de aposta também poderia gerar incentivos para que políticos ou partidos explorassem esse mecanismo como uma forma de abuso de poder econômico, manipulando-o para influenciar a percepção pública da viabilidade eleitoral. Ou seja, a consolidação dessa prática poderia gerar uma nova dimensão de irregularidades nas eleições.
Diante dessas preocupações, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), em 17 de setembro, aprovou a inclusão do parágrafo 7.º no artigo 6.º da Resolução n.º 23.745/2024, que dispõe sobre os ilícitos eleitorais. Por meio da alteração, a utilização de pleitos eleitorais para fins de apostas, prêmios ou sorteios passou a ser considerada abuso de poder econômico e captação ilícita de votos, a depender do caso concreto.
A resposta do TSE ao modelo das bets eleitorais, que vinha sendo amplamente ofertado nos sites de apostas, é bem-vinda, na medida em que a reprimenda dessas condutas pelo tipo penal descrito no artigo 334 do Código Eleitoral tende a se mostrar mais efetiva do que sanções exclusivamente cíveis ou administrativas. Isso porque a pena prevista no referido dispositivo em casos de condenação inclui a cassação do registro e a detenção de seis meses a um ano.
Por fim, uma dúvida certamente paira nesse novo cenário: haverá ressarcimento aos apostadores que já aportaram recursos? A esse respeito, embora, naturalmente, o Código de Defesa do Consumidor não enderece esse caso específico, certamente poderá servir como base para fundamentar o direito de reembolso dos apostadores. Nesse contexto específico, todas as apostas eleitorais, ainda que feitas em momento anterior à referida mudança normativa, sequer poderão ser consideradas vencedoras ou perdedoras. Esse será, ao que tudo indica, o capítulo final desse novo desafio que se apresentou à democracia brasileira.
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SÃO, RESPECTIVAMENTE, PROFESSORA ADJUNTA E PESQUISADOR DA DA FGV DIREITO RIO