Opinião | Brasil e a eólica offshore: oportunidade ou desafio para a transição energética?

O veto aos incentivos para usinas movidas a carvão e a gás reafirma o compromisso do País com a transição energética

Por Fernanda Tomé e Hirdan Costa

As eólicas offshore despontam como uma solução crucial para a descarbonização do setor de petróleo e gás, especialmente nas operações de exploração e produção em alto-mar. Com potencial técnico estimado em 700 GW, o Brasil possui condições ideais para integrar essa fonte renovável às plataformas offshore, seguindo exemplos de sucesso como o projeto Hywind Tampen, na Noruega.

A publicação da Lei Federal n.º 15.097/2025 marca um avanço significativo ao estabelecer uma estrutura regulatória clara e transparente. O momento não poderia ser mais estratégico, considerando os mais de 90 projetos em análise pelo Ibama. No entanto, a continuidade desses empreendimentos depende da definição das áreas offshore, uma etapa fundamental para garantir segurança jurídica e destravar o licenciamento ambiental.

Entre os princípios orientadores da nova lei, destacam-se o desenvolvimento sustentável, a geração de emprego e renda e a proteção ambiental. O incentivo à inovação tecnológica e ao desenvolvimento regional, com foco na indústria nacional, reforça o compromisso com a sustentabilidade. A harmonização das atividades offshore com a preservação da paisagem natural e o diálogo transparente com as comunidades afetadas completam essa visão integrada.

A cessão de áreas poderá ocorrer por concessão, em casos de oferta planejada pelo poder público, ou por autorização direta, quando as empresas manifestarem interesse na exploração. No entanto, os critérios para a competição entre interessados ainda não foram detalhados, representando uma lacuna que precisa ser resolvida. A lei também estabelece exigências ambientais, como consultas prévias às comunidades locais e proibição de projetos em áreas protegidas, mas ainda há indefinições sobre como essas obrigações serão implementadas. A criação de um inventário público de energia offshore será importante para facilitar o planejamento e o acesso às informações necessárias ao avanço dos projetos.

Apesar do progresso, o setor enfrenta desafios regulatórios que podem atrasar a maturação desses empreendimentos. A Declaração de Interferência Prévia (DIP), necessária para identificar possíveis conflitos entre projetos, é um dos pontos críticos, pois ainda falta definir a entidade responsável por centralizar esse processo. A qualificação prévia dos interessados também é essencial, exigindo comprovação de capacidade técnica e financeira, além do compromisso com o fortalecimento da indústria nacional.

Outro aspecto relevante são os créditos de carbono, que oferecem incentivos ao desenvolvimento dos projetos, mas ainda carecem de definições sobre sua comercialização. A integração das eólicas offshore ao Sistema Interligado Nacional (SIN) também exige atenção, pois, sem uma conexão eficiente ao sistema elétrico, muitos projetos podem não avançar. Para garantir benefícios econômicos amplamente distribuídos, o governo precisa definir parâmetros claros para promover a indústria nacional e fortalecer a cadeia produtiva local.

Ainda, o veto aos incentivos para usinas movidas a carvão e a gás reafirma o compromisso do Brasil com a transição energética, alinhando o País às metas globais de descarbonização. Com vasto potencial e uma estrutura regulatória clara, o Brasil está bem posicionado para liderar a geração de energia eólica offshore na América do Sul, atraindo grandes investimentos e fortalecendo a segurança energética.

No contexto global, enquanto os Estados Unidos reforçam o uso do gás natural como estratégia econômica, o Brasil mantém sua vantagem competitiva nas fontes renováveis, um diferencial estratégico que pode consolidar sua posição de liderança na transição energética. No entanto, decisões regulatórias fragmentadas e subsídios desalinhados podem comprometer essa vantagem. Internamente, o setor também enfrenta gargalos de transmissão e a concorrência da energia solar, que pressiona a cadeia produtiva nacional da eólica.

Apesar das oportunidades das eólicas offshore de contribuir para a descarbonização da matriz energética, a transição não acontecerá de forma automática. A consolidação desse mercado depende de decisões regulatórias coerentes, capazes de evitar fragmentações e oferecer segurança jurídica aos investidores, sem esquecer os impactos socioambientais. Com uma abordagem integrada, o Brasil pode desbloquear investimentos de longo prazo, promover o desenvolvimento regional e exportar tecnologias limpas, posicionando-se como um exemplo global na transição energética. Para que isso ocorra, é fundamental que as regulamentações pendentes avancem rapidamente, garantindo clareza nos processos de licitação, critérios socioambientais e integração ao sistema elétrico. Ou seja, ainda há muito a ser feito, mas pelo menos iniciamos o dever de casa.

Opinião por Fernanda Tomé

Advogada, pesquisadora colaboradora no Centro de Pesquisa e Inovação em Gases de Efeito Estufa (RCGI), é doutoranda em Energia pela Universidade de São Paulo

Hirdan Costa

Pesquisadora colaboradora no RCGI, é livre docente em energia pela Universidade de São Paulo

Tudo Sobre