Opinião

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| Captação de recursos não é privatização

A construção de pontes entre pesquisa, sociedade e mercado é essencial para garantir a relevância e a sustentabilidade do ensino superior

Por Felipe Chiarello

A Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), uma das mais renomadas instituições de ensino superior do Brasil, captou, em 2024, fora de seu orçamento regular, o montante de R$ 207.859.205,21. Esse valor expressivo evidencia um modelo de financiamento que pode – e deve – servir como inspiração para diversas Instituições de Ensino Superior (IES) do País. No entanto, essa cultura de pesquisa e captação de recursos não surgiu de forma repentina. É fruto de um esforço contínuo, alicerçado na consciência do impacto acadêmico e científico que a universidade exerce, tanto nacional quanto internacionalmente. A Unicamp e a USP, ambas frequentemente destacadas nos rankings internacionais, compartilham essa lógica de busca por parcerias estratégicas com o setor produtivo.

O desafio brasileiro não está em simplesmente replicar modelos estrangeiros, especialmente os norte-americanos, mas em desenvolver mecanismos próprios e eficazes de financiamento para a pesquisa, assegurando melhores condições de trabalho para docentes e servidores. A Unicamp foi uma das primeiras instituições do País a instituir um escritório de captação de recursos. Contudo, a realidade da maioria das universidades brasileiras está distante desse cenário. Segundo o mais recente Censo da Educação Superior, aproximadamente 90% das instituições de ensino superior no Brasil são privadas ou comunitárias. Além disso, impressionantes 95,9% das vagas ofertadas pertencem a essas instituições.

Diante desses números, torna-se urgente aprofundar o debate sobre o presente e o futuro da universidade brasileira, sobretudo no que diz respeito à valorização de seus profissionais. A remuneração dos docentes e funcionários dessas IES, responsáveis pela oferta da esmagadora maioria das 24,6 milhões de vagas no ensino superior, com raríssimas exceções, é precária. Esse quadro exige coragem e iniciativas concretas para ser transformado.

A maioria das instituições privadas opera sob uma lógica de captação de alunos voltada essencialmente à sobrevivência financeira, enfrentando fortes oscilações no número de matrículas e, por consequência, em seus resultados econômicos. Esse modelo, sustentado por uma frágil equação entre custos e receitas, mostra-se insustentável a longo prazo. Sem uma mudança de mentalidade, a crise tende a se aprofundar. A tônica das IES tem sido a preocupação exclusiva com a dimensão do ensino e o número de discentes por curso. A ausência de uma visão estratégica é o prenúncio do colapso desse modelo.

A dependência de ciclos semestrais, a transformação perversa de vidas humanas em meros números e planilhas, tem levado ao corte de recursos, ao enxugamento do corpo docente e à redução de bolsas e incentivos. Muitas faculdades já perderam sua credibilidade acadêmica, tornando improvável qualquer recuperação imediata.

Interromper esse ciclo é essencial para evitar um desfecho trágico. A questão central não é a privatização da pesquisa, mas a construção de uma sinergia produtiva entre o setor acadêmico, as empresas e o poder público, em níveis nacional e internacional. Afinal, a produção científica brasileira carece de qualidade? É irrelevante? Não tem aplicação prática? A resposta é um enfático não. Nossa pesquisa tem excelência e potencial de impacto, mas enfrenta dificuldades históricas na captação de recursos e na conversão do conhecimento em inovação aplicada.

A construção de um modelo sustentável para a universidade brasileira exige um fluxo contínuo e estratégico de financiamento, que beneficie não apenas a infraestrutura e a pesquisa, mas também os profissionais envolvidos. É preciso superar a lógica vigente e implementar um sistema que assegure estabilidade e perenidade ao ensino superior. Enfrentar a escassez com protagonismo e romper com paradigmas ultrapassados são passos essenciais para a criação de um ciclo virtuoso de desenvolvimento acadêmico.

Também é fundamental que as IES atuem com proatividade. Não devemos aguardar passivamente as demandas do setor produtivo. A universidade precisa demonstrar que aquilo que produz pode e deve ser resposta às necessidades da sociedade, do setor produtivo e das políticas públicas. É necessário inverter a lógica: em vez de se manter inerte e apenas reagir à eventual demanda externa, a produção acadêmica deve se afirmar como propulsor essencial da ponte entre universidade e mercado, projetando seu potencial para o mundo exterior.

O Brasil precisa assumir que o conhecimento gerado nas universidades não é mercadoria, mas tampouco deve permanecer isolado. A construção de pontes entre pesquisa, sociedade e mercado é essencial para garantir a relevância e a sustentabilidade do ensino superior. Valorizar os profissionais da educação, fomentar a inovação e diversificar as fontes de financiamento são passos urgentes e o debate sobre o financiamento da universidade brasileira não pode ser restrito aos muros acadêmicos. É uma pauta estratégica de país. Repensar esse modelo com seriedade e inovação é tarefa urgente – não apenas para salvar instituições, mas para garantir que o conhecimento siga sendo um instrumento de transformação social, acessível, público e relevante.

Opinião por Felipe Chiarello

Mestre e doutor em Direito pela PUC/SP, pesquisador do CNPq, membro da Academia Paulista de Letras Jurídicas, é diretor da Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie

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