Opinião | Cidadão, razão de ser do Judiciário

Solução para os órgãos de Justiça assoberbados não está no sacrifício do direito de bater às suas portas. Não enterrem o direito de petição, um direito constitucional da cidadania

Por Antônio Cláudio Mariz de Oliveira

O Estado atribuiu as suas funções essenciais aos chamados Poderes da União, cada qual com objetivos e regramentos específicos, dando-lhes independência e harmonia entre si, com o escopo comum de atender às necessidades da sociedade, mantendo-a pacífica e harmônica.

O relacionamento interpessoal pode conduzir a conflitos na medida em que interesses opostos são colocados em disputa por seus respectivos titulares. Nesse momento, deverá prevalecer a lei a ser declarada pelo Poder Judiciário, que tem no advogado um partícipe indispensável, para elidir o conflito surgido.

Uma característica desse Poder é a inércia. A sua atuação só se dá quando ele for acionado pelo cidadão detentor de um dos interesses contrariados. Por outro lado, o acesso à Justiça não é concedido ao jurisdicionado de forma direta. Necessariamente, ele deverá recorrer a um advogado, que se tornará o seu porta-voz, o seu canal de ligação com o Judiciário.

Desta forma, observa-se que a voz dos advogados passa a ser a voz do jurisdicionado, devendo, portanto, ser livre, independente, plena e encontrar eco junto aos seus destinatários, que são os juízes. Qualquer restrição à sua fala representa um cerceamento ao exercício do direito de postular em juízo, atribuído a todo e qualquer cidadão.

O ordenamento jurídico pátrio outorgou ao bacharel em Direito, devidamente inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil, a denominada capacidade postulatória para transmitir aos órgãos judiciais as pretensões de seus representados. Essa função é exercida com exclusividade pelos advogados, apenas eles estão habilitados a movimentar a máquina da Justiça para a solução do conflito que é por ele deduzido.

Por essa singela exposição, percebe-se que um dos Poderes do Estado existe unicamente em função de as relações interpessoais serem potencialmente conflituosas e da necessidade de esses conflitos serem solucionados por meio da aplicação da lei. Esse Poder, portanto, tem a sua existência vinculada ao cidadão jurisdicionado. É ele que o aciona, por intermédio do advogado, para que prevaleça o ordenamento jurídico.

A forma primitiva da elisão das discórdias interpessoais era a supremacia do mais forte sobre seu adversário, inferiorizado pelas mais diversas razões, a começar pela força física, passando pela posição social, o poder econômico, a posição política e tantos outros fatores.

Com a organização do Estado, a resolução das discórdias interpessoais passou a ser uma de suas missões. No entanto, realça-se que a advocacia antecede ao próprio Poder Judiciário. O primeiro advogado foi o primeiro homem que se dispôs a falar em nome de outrem para defendê-lo contra algum oponente.

Pois bem, a atuação dos advogados tem a sua existência condicionada às crises sociais, de natureza individual e coletiva. Interferimos para conduzir ao Poder Judiciário as postulações dos cidadãos que anseiam pela solução de suas pendências conflituosas.

Portanto, não é de difícil percepção que tanto a postulação em nome de terceiro, missão da advocacia, quanto a apreciação e a decisão das questões deduzidas perante os magistrados, tarefa do Judiciário, dependem da provocação do jurisdicionado. É ele, assim, a razão de ser das instituições que compõem o sistema de Justiça.

Essas divagações estão sendo feitas pois a mim parece que especialmente o Judiciário está olvidando esta verdade: a Justiça existe em função dos conflitos que surgem em sociedade, envolvendo os seus integrantes, cidadãos que batem às portas dos tribunais, por intermédio dos seus advogados.

A Constituição federal alinhou os objetivos e princípios norteadores de cada instituição e a lei ordinária normatizou o desempenho das funções a elas atribuídas. Vê-se, como exemplo, o artigo 133 da Carta Maior, que declara o advogado indispensável à administração da Justiça.

Pois bem, é com esse proposital exemplo que afirmo, sem medo de errar, que nos dias de hoje a Justiça está sofrendo uma significativa alteração em sua estrutura, modo de atuação e até em seus objetivos naturais e originários.

Explico: o jurisdicionado cidadão não mais está sendo ouvido de forma integral. A sua voz está sendo mitigada, cerceada, quase que calada. Na verdade, quando me refiro ao jurisdicionado, estou falando dos que falam por eles: nós, os advogados.

O Judiciário está interferindo indevidamente no desempenho da advocacia. Está, literalmente, querendo nos calar. E por quê? Parece-nos que para ele nós atrapalhamos, falamos muito, incomodamos.

A última limitação ao exercício da advocacia atinge as sustentações orais. Querem impedir-nos de usar a palavra. No seu lugar, deveremos enviar vídeos. Algum juiz os verá? Nós, advogados, temos boa-fé, mas não somos ingênuos. Claro que não. Mas saibam que não somos nós os prejudicados, e sim o cidadão brasileiro.

Os órgãos de Justiça estão assoberbados, isso é verdade. Mas a solução não está no sacrifício do direito de bater às suas portas. Aumentem o número de magistrados, criem outros tribunais, criem barreiras à protelatória litigância de alguns entes públicos. Mas não enterrem o direito de petição, que é um direito constitucional da cidadania.

Opinião por Antônio Cláudio Mariz de Oliveira

Advogado