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Opinião | Como o partidarismo negativo redesenha o cenário político

Como vimos de forma crescente em 2014, 2018, 2022 e também nas eleições municipais, os debates eleitorais concentram-se mais em criticar a oposição do que em discutir políticas públicas

Por Lucas de Aragão

A eleição presidencial de 2014, entre a então candidata à reeleição, Dilma Rousseff (PT), e Aécio Neves (PSDB), foi polarizada, mas estava bem distante do que vimos em 2018 entre Jair Bolsonaro (PL) e Fernando Haddad (PT) e, principalmente, entre Jair Bolsonaro e Lula da Silva (PT) em 2022. A intensificação da polarização política no Brasil reflete uma tendência global preocupante.

Esse fenômeno é mundial, ocorrendo nos Estados Unidos, Índia, Polônia, Argentina, Bangladesh, entre outros. Poderíamos dedicar boa parte deste artigo citando países e exemplos que evidenciam esse aumento na polarização política.

Nos Estados Unidos, por exemplo, a Universidade Vanderbilt desenvolveu o “índice de unidade nacional” para medir a coesão dos americanos nas últimas décadas. O ponto mais baixo registrado ocorreu em 2017, durante os confrontos entre supremacistas brancos e grupos antiextremistas em Charlottesville, Virgínia. Esse evento simbolizou a profundidade das divisões políticas e raciais no país.

No Brasil, um estudo do Edelman Trust Barometer de 2023 mostrou que 78% dos brasileiros avaliam que o País está mais dividido do que no passado, e 80% concordam que a falta de respeito mútuo aumentou. A média mundial é de 65%. Há muitos outros dados preocupantes: cerca de um quinto dos entrevistados afirmam não estar dispostos a conviver no mesmo ambiente de trabalho ou morar no mesmo bairro que pessoas de visões políticas distintas. Pesquisas indicam que a divisão política supera outras diferenças, como religião, classe econômica e etnia.

Um certo grau de polarização é positivo; afinal, é a partir dela que conseguimos entender diferentes pontos de vista. A polarização saudável força candidatos a tomarem posição em questões importantes. John Stuart Mill escreveu em 1859 que apenas com o confronto de ideias a verdade tem chance de emergir. O preocupante é que, no mundo atual, esse confronto de ideias está cada vez mais raro e superficial. O embate de argumentos é praticamente nulo, como temos visto, por exemplo, na eleição municipal da maior cidade do Brasil, São Paulo.

Cada vez mais, por conta da polarização, nos afundamos no “partidarismo negativo”, um fenômeno em que eleitores se identificam mais pelo que rejeitam do que pelo que apoiam. De acordo com pesquisas acadêmicas, como a de S. Iyengar e S. J. Westwood (Fear and loathing across party lines: new evidence on group polarization, 2015), o partidarismo negativo pode levar ao aumento da animosidade entre grupos políticos, prejudicando o debate democrático. Como vimos de forma crescente em 2014, 2018, 2022 e também nas eleições municipais, os debates concentram-se mais em criticar a oposição do que em discutir políticas públicas. O objetivo parece ser fazer com que o eleitor odeie mais o oponente.

Em um país partidariamente fragmentado como o Brasil, o partidarismo negativo corrói uma característica histórica dos nossos sucessos políticos: a busca por algum consenso. A raiva alimenta o voto, mas prejudica a formulação de políticas públicas. A elite política se beneficia do partidarismo negativo; os cidadãos, não. J. McCoy. e M. Somer (Toward a theory of pernicious polarization and how it harms democracies: comparative evidence and possible remedies, 2019) argumentam que a polarização perniciosa pode minar as instituições democráticas e a governabilidade.

Não sei para onde a polarização nos levará, mas uma consequência interessante é a diminuição em número, mas o aumento em importância dos eleitores indecisos. Nas eleições presidenciais americanas, tem-se observado uma redução no número de eleitores indecisos. Em 2016, cerca de 10% dos eleitores estavam indecisos; em 2024, esse número caiu para 4%. No Brasil, a tendência é semelhante, com a porcentagem de eleitores absolutamente certos de seus votos aumentando a cada ciclo eleitoral. A redução de indecisos diminui também a moderação. As câmaras de eco e o sucesso teatral, principalmente em redes sociais, de políticos estridentes seduzem governantes quando não deveriam.

Para candidatos em eleições majoritárias, no entanto, é um jogo perigoso. Ser estridente pode ser uma boa estratégia para crescer no primeiro turno, mas exagerar pode cristalizar o eleitor fiel e aumentar exponencialmente a rejeição. Em 2018, Bolsonaro venceu porque uma parcela centrista do eleitorado o rejeitou menos que Fernando Haddad. Com Lula impedido de concorrer devido a questões jurídicas e ainda no auge da Operação Lava Jato, os seguidores fiéis levaram Bolsonaro ao segundo turno, mas foram os moderados que o elegeram.

Em 2022, o contrário aconteceu. O mesmo eleitorado, principalmente no Sudeste e em centros urbanos, cansado de Bolsonaro, mudou de lado. Lula venceu ao conquistar o apoio daqueles que estavam insatisfeitos com o governo vigente.

Viveremos um paradoxo nos próximos ciclos eleitorais. Os candidatos precisarão ser barulhentos para aparecer e convencer públicos altamente ideologizados, mas não tanto a ponto de afastar quem o elege: o grupo cada vez menor de eleitores indecisos e normalmente moderados.

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MESTRE EM CIÊNCIA POLÍTICA, É SÓCIO DA ARKO ADVICE

Opinião por Lucas de Aragão

Mestre em Ciência Política, é sócio da Arko Advice