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Opinião | Concessões onerosas e a dinâmica do saneamento

Todas as suas falhas recaem sobre os usuários, pelas altas tarifas e a falta dos serviços, e também sobre a saúde pública

Por André Lucirton Costa e José Everaldo Vanzo

Os erros da concessão onerosa de Manaus, em 2000, estão se multiplicando em escala nacional com outros contratos do setor de saneamento, em Maceió (2020), Rio de Janeiro (2022) e da Companhia Rio-grandense de Saneamento (Corsan). Existem outros critérios mais justos no campo das concessões, como, por exemplo, o da menor tarifa ou melhor técnica e menor preço.

Concessão onerosa é aquela em que o governo cede a exploração de alguma atividade, monopólios naturais, em que é impossível a concorrência, em troca de uma remuneração. Nos casos do saneamento, os valores alcançam dezenas de bilhões de reais. Como “não há almoço de graça”, a remuneração paga ao governo virá da tarifa cobrada dos usuários, assemelhando-se mais a um imposto.

O capital transferido para os governos nas outorgas de Maceió e do Rio de Janeiro somou quase R$ 25 bilhões, que virão das tarifas. O governo não tem compromisso de aplicar o recurso no setor de saneamento, havendo uma transferência de recursos para outros setores. A concessão onerosa retira recursos do setor que tem uma agenda de investimentos vasta e necessária para a qualidade de vida da população. Os recursos da outorga são e foram usados em outras iniciativas, mesmo que em Manaus, por exemplo, o número de ligações com coleta de esgoto chegue a 15%, passados 22 anos de concessão.

Saneamento é saúde, aprende-se nas escolas de medicina, enfermagem e de engenharia sanitária do País e do mundo. Saneamento traz as condições necessárias à vida das pessoas. Eficácia no saneamento pode ser definida como a universalização do atendimento de água potável, coleta, afastamento e tratamento dos esgotos, incluindo os resíduos sólidos e a drenagem urbana. Tudo isso deveria ser feito com tarifas módicas, num país com mais da metade da população com dificuldades de renda para sobreviver.

As concessões onerosas seduzem os governantes pelo pagamento bilionário, livre para uso e à vista. Vultosas quantias para prefeitos e aliados tentarem garantir a permanência no poder aplicando em setores de maior visibilidade, sem obras e encanamentos enterrados. A conta vai para o usuário, que terá a obrigação de pagar enquanto durar a concessão. Uma obrigação para gerações, com um legado de fluxos financeiros de capitais e menos efetividade dos serviços prestados.

Existe neste modelo uma fragilidade quando se considera que a tarifa deve ser cobrada a partir da contraprestação de serviços. Se o investimento feito na outorga não é aplicado no saneamento, não se pode falar que a parte da tarifa está relacionada com o serviço.

E quanto aos ganhos de eficiência? Nas concessões onerosas, os ganhos de eficiência são vistos nas baixas despesas de operação (exploração, captação, distribuição), mas também é alta a despesa com as dívidas, que elevam as tarifas. As despesas podem apresentar (e geralmente apresentam) custos menores em concessões privadas. Estão livres das amarras do Estado brasileiro, são mais ágeis, usam de terceiros sem restrições, não precisam fazer licitações, não precisam prestar contas exaustivamente aos mecanismos de controle do Estado, geralmente com salários operacionais menores e pouco investimento em educação e treinamento.

Se são menores as despesas de operação, o mesmo não se pode dizer das financeiras. São despesas que englobam as dívidas com a outorga e com investimentos em obras e serviços necessários para a ampliação e melhoria dos serviços previstos no contrato. Eventuais contratações são feitas livremente pela empresa concessionária e há estudos (teses) mostrando que esses custos incham a contabilidade e oneram a tarifa na medida em que os serviços e as obras são contratados com eventuais empresas do mesmo grupo econômico. Os contratos com empresas fornecedoras deveriam ser regulados de modo que as despesas tenham garantia de menor preço. Trata-se de uma explicação de por que os custos com a exploração são menores e as tarifas das concessões onerosas são maiores do que as praticadas pela média do mercado. Se o resultado é controlado, os custos e as despesas também precisam ser.

Ainda: se a receita for menor do que as despesas, a concessionária se apresenta diante da reguladora reivindicando aumento tarifário e ou extensão do período de concessão, de modo a reequilibrar o lado econômico-financeiro do contrato, mesmo não cumprindo metas operacionais e de cobertura. São contratos tão longos e o setor é tão essencial que os custos de rompimento podem gerar enormes prejuízos para a sociedade se perpetuar judicialmente por décadas. As agências de regulação ficam imobilizadas e reféns do concessionário e do contrato.

Todas essas falhas das concessões onerosas recaem sobre os usuários, pelas altas tarifas e a falta dos serviços, e também sobre a saúde pública. Deslegitimam o poder concedente, que se desmoraliza perante a cidadania, e fracassa a agência de regulação. Perdem o ambiente em geral e, principalmente, os rios e lagos, que continuam sendo poluídos de forma crescente.

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RESPECTIVAMENTE, PESQUISADOR DA FEARP/USP, ONDE FOI DIRETOR DE 2018 A 2022; E ENGENHEIRO SANITARISTA, TRABALHA NOS SETORES PÚBLICO E PRIVADO DE SANEAMENTO DESDE 1977

Opinião por André Lucirton Costa
José Everaldo Vanzo