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Opinião|Consensualismo é inevitável na solução de conflitos

Com minucioso arcabouço normativo, desenvolve-se no TCU um circuito republicano de negociação, com atenta intervenção do Ministério Público

Por Bruno Dantas e Benjamin Zymler

A poética da corrente marítima encontra-se em ser ela inevitável. Não é contra ela que se embate Santiago de Ernest Hemingway, tampouco o capitão Ahab de Herman Melville. Foi apenas reconhecendo sua inevitabilidade que puderam navegar suas jornadas, enfrentar desafios maiores e buscar formas de coexistência.

Essa metáfora traduz bem a marcha evolutiva do Direito Administrativo em direção à eficiência. Frequentemente alertamos para as transformações por que passa a gestão administrativa.

Apontamos as mutações da administração pública, com especial acento na transição de um modelo verticalizado, de evidente inspiração num conceito weberiano de burocracia, para outro horizontalizado, que reconhece o administrado como um sujeito ativo na dinâmica da governança pública.

Jacques Chevallier etiquetou esse antigo modelo estatal de regulação social como resultado de uma “cultura política obsoleta”. O Estado moderno, que buscava sua legitimidade na proceduralização, transita para um modelo centralizado na figura daquilo que esse mesmo autor francês descrevia como “Justiça negociada”. Essa constatação desafia novos modos de regulação e exercício do controle.

Somamos esse esforço à necessidade de simplificação da Justiça: menos solene, mais eficaz. Imbuído nessa missão, buscamos desenvolver bases teóricas para o que seria a adoção de uma Câmara de Mediação no Tribunal de Contas da União (TCU).

Preocupamo-nos com um modelo que não apenas atentasse à moldura normativa que delimita a matéria no ordenamento jurídico, mas que igualmente aportasse sensibilidade às especificidades dos casos que são alçados ao TCU.

Assim lapidamos a Secretaria de Controle Externo de Solução Consensual e Prevenção de Conflitos (SecexConsenso) no TCU. Como colheita, celebramos os sucessos da materialização daquilo que outrora descrevemos como a institucionalização de um ambiente de diálogo público-privado, orientado pelo interesse público primário, pela eficiência e pela segurança jurídica.

Com minucioso arcabouço normativo, desenvolve-se um circuito republicano de negociação, com a participação dos principais representantes dos atores implicados, e com atenta intervenção do Ministério Público.

O TCU recebe um número expressivo de pedidos, dos mais diversos setores regulados, como energético, rodoviário, ferroviário, portuário, aeroportuário e de telecomunicações. Os valores envolvidos ultrapassam as centenas de bilhões.

A parte mais expressiva das demandas corresponde a matérias que já se encontram judicializadas, o que impõe aos juristas reflexões de cunho econômico sobre o custo de oportunidade do litígio, o custo do dinheiro no tempo e o risco de derrota judicial. São casos cujas soluções tempestivas não se avizinham num futuro próximo, e que denotam problemas com impacto social notório.

Evidentemente, a iniciativa não é imune a críticas – como pode acontecer em toda postura inovadora.

Os críticos, porém, ignoram a dicção legal que introduziu o dever de prevenção na administração pública pela Lei n.º 13.655/2018, no sentido de que “a atuação de órgãos de controle privilegiará ações de prevenção antes de processos sancionadores”. Antes disso, o dever de consensualidade já se depreendia do Código de Processo Civil, quando determinou que “o Estado promoverá, sempre que possível, a solução consensual dos conflitos”.

O consensualismo na administração pública é corolário daquilo que se convencionou denominar de “Justiça multiportas”, em substituição a um modelo adjudicatório de controle, focado no Direito sancionatório. Colocamos luz ao fato de que o administrado não tem interesse primário na aplicação de sanções; ao contrário, o interesse dos cidadãos gravita ao redor do serviço público que efetivamente deveria ter sido prestado e, por inúmeras razões, não o foi.

Não por outra razão, os acordos firmados fazem objeto de crivo do tribunal, o qual analisa com amplidão os termos pactuados. Prova maior disso se verifica pela quantidade relevante de pedidos de instauração de mediação os quais são rejeitados pelo tribunal, bem como os acordos que, uma vez submetidos ao plenário, não foram homologados. Isso tudo é possível também em razão da atuação básica de controle do TCU.

Em mediações técnicas dessa natureza, negociar significa dizer que as concessões são avaliadas de forma comutativa entre atores públicos e privados sob a necessária vigilância do TCU. Isso significa que não há compromisso com equívocos.

O que se deve rejeitar, contudo, são posturas irresponsáveis daqueles que, interessados no fracasso da medida, e, por conseguinte, na inoperância dos contratos públicos, intentam sabotar empreendimentos de inegável interesse da sociedade.

Qual correnteza de mar, cuja trajetória segue uma direção irreversível, acreditamos na inexorabilidade do consensualismo. Daí por que melhor faria procurarmos formas de delimitar cada vez mais o trajeto, aproveitar seu fluxo e otimizar seus resultados.

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SÃO, RESPECTIVAMENTE, PRESIDENTE E MINISTRO DO TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO (TCU)

Opinião por Bruno Dantas

presidente do Tribunal de Contas da União (TCU)

Benjamin Zymler

Ministro do Tribunal de Contas da União (TCU)