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Opinião | ‘Cross-border’ – Sem igualdade, empresas brasileiras sucumbirão

Enquanto a compra de produtos importados em plataformas digitais é tributada em 17%, a indústria e o comércio nacionais têm carga fiscal equivalente de 80% a 130% sobre a cadeia produtiva e de distribuição. É insustentável

Por Jorge Gonçalves Filho

Este artigo pretende apresentar ao leitor um breve comparativo sobre a realidade que assola a indústria e o varejo brasileiros em face da crescente evolução das importações realizadas por meio de plataformas digitais de venda de produtos importados (cross-border) para pessoas físicas sem o pagamento dos devidos impostos.

As compras realizadas pelos brasileiros por meio de tais plataformas digitais vêm apresentando crescimento exponencial nos últimos anos. Estima-se que em 2022 o porcentual de brasileiros, principalmente das classes média e alta, que realizaram compras em sites internacionais teve crescimento de 72%.

Os consumidores não têm conhecimento do mal que estão causando à indústria e ao varejo brasileiros ao adquirir produtos importados, sem o pagamento dos impostos. Ocorre que a indústria nacional está submetida a um grande número de impostos, desde a aquisição de insumos (local ou importado), fabricação e comercialização até a chegada dos produtos ao consumidor final.

Cito, a exemplo, o Imposto de Importação (II), o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), a contribuição ao PIS e à Cofins, o ICMS, além de outros não menos financeiramente relevantes, como as contribuições previdenciárias sobre os empregos gerados pelas empresas nacionais, entre outros.

De outro lado, as plataformas digitais de vendas cross-border, ao intermediarem a importação de mercadorias do exterior, nos limites de até U$S 50,00, apesar de atualmente estarem sujeitas apenas ao Imposto de Importação, na maioria das vezes não efetuam qualquer recolhimento de impostos.

Isso porque, apesar de tal operação sofrer a incidência do Imposto de Importação com alíquota de 60%, na prática, o importador nem sequer recolhe esse montante por diversos motivos, como, por exemplo, a possível prática de fraudes fiscais por meio de subfaturamento de produtos e fracionamento das compras em diversos pacotes, bem como a dificuldade na fiscalização dessas compras pulverizadas.

Apenas em junho deste ano houve a publicação do Convênio ICMS n.º 81, que promete uniformizar a partir de 1.º de agosto de 2023 a cobrança do imposto estadual pelos Estados e o Distrito Federal, mediante a alíquota efetiva de 17% (mínima geral) nas operações de importações realizadas por remessas postais ou expressas.

Apesar dessa uniformização e da inexistência de prévia autorização anterior, também é fato que o ICMS sempre foi devido, mas jamais foi pago na maioria das operações envolvendo tais plataformas digitais de vendas cross-border, via remessas postais. Aliás, a alíquota fixada, apesar de ser um progresso no sistema de cobrança, beneficia essas operações, uma vez que, em regra, as operações realizadas pelo varejo local são tributadas por alíquotas de ICMS maiores.

Ainda a respeito da tributação da indústria nacional, vale destacar que esta se sujeita a uma carga tributária média de 100% sobre os fatores de produção até a comercialização, enquanto a legislação atualmente em vigor prevê o Imposto de Importação de apenas 60% e o ICMS de cada Estado.

Não bastasse todo esse desequilíbrio existente, o contribuinte nacional, que é responsável pela geração e manutenção de milhares de postos de trabalho para a produção e comercialização de seus produtos – e, inclusive, pela apuração e o recolhimento de diversos tributos –, foi surpreendido pela publicação da Portaria MF n.º 612/2023, como parte do Programa Remessa Conforme, que reduz, a partir de 1.º de agosto, a mencionada alíquota do Imposto de Importação para zero por cento para as plataformas digitais de vendas cross-border.

Ou seja, é um ambiente de negócios insustentável, pois a compra por meio dessas plataformas será tributada em 17%, ao passo que a indústria e o comércio brasileiros manterão sua carga fiscal equivalente variando de 80% a 130% sobre sua cadeia produtiva e de distribuição.

Melhor explicando, nessa média de tributação do mercado local estão incluídos: 1) os impostos e as contribuições incidentes na venda (ICMS e PIS/Cofins); 2) os impostos e as contribuições embutidos no custo das mercadorias, sem possibilidade de crédito (IPI, II, encargos previdenciários, ISS, adicional de 1% da Cofins-Importação, ICMS-ST, IPTU de parques fabris e taxas aduaneiras); 3) os impostos e as contribuições indiretos sobre despesas e insumos sem possibilidade de crédito (ICMS, ISS, PIS/Cofins, encargos previdenciários, imposto sobre combustíveis, IPTU de imóveis destinados à distribuição e varejo); e 4) o IRPJ e a CSLL, ainda, a adicionar à margem de lucro de cada negócio.

No melhor cenário, por exemplo, os impostos e as contribuições representam 50% do preço final da venda de um produto colocado na prateleira do comércio, conquanto os 50% restantes devem remunerar os fatores de produção de toda a cadeia.

Nesse sentido, estima-se que o imposto que deixou de ser recolhido aos cofres brasileiros nos últimos cinco anos gire em torno de R$ 137,7 bilhões, somente considerando o Imposto de Importação (R$ 81,4 bilhões), o IOF (R$ 8,6 bilhões) e o ICMS (R$ 47,6 bilhões).

Sabedores de que o Estado brasileiro tem necessidades tão prementes de recursos, por que abrir mão de tributar plataformas digitais de vendas de produtos importados (cross-border) e, ao mesmo tempo, imputar elevadíssima carga tributária às empresas que geram renda e emprego no Brasil?

Infelizmente, ao divulgar sua suposta intenção de regularizar as operações de compras internacionais via postal, o governo federal, em verdade, só criou uma redução tributária específica para um grupo de sociedades – leia-se plataformas digitais de vendas de produtos importados (cross-border) –, gerando empregos fora do País, que em nada ajudam no desenvolvimento industrial, tecnológico e econômico brasileiro, deixando passar relevante oportunidade para efetivamente adequar a atuação dessas plataformas à legislação nacional e reequilibrar a relação concorrencial e regulatória que, atualmente, pesa sobremaneira em desfavor dos setores formais da economia nacional.

Ademais, a tão falada reforma tributária tem como pilar mais importante a isonomia entre setores e o fim de privilégios específicos. A Portaria MF n.º 612/2023, contudo, demonstra a total incoerência da administração pública, pois privilegia as plataformas digitais de vendas cross-border, abrindo mão de volume significativo de receita de impostos, enquanto mantém a tributação integral da indústria e do comércio locais.

Importante concluir o raciocínio e deixar claro que não se está propondo, necessariamente, o incremento de tributos para o consumidor final. Ao contrário, em verdade, busca-se respeito ao investimento, à sobrevivência das empresas, à manutenção de empregos dos brasileiros, bem como à geração de riqueza nacional, com a equidade concorrencial.

Para tanto, entendo que a indústria e o comércio brasileiros devem ser tratados com igualdade e, portanto, que as facilidades e os benefícios fiscais concedidos às plataformas digitais de vendas cross-border sejam replicados internamente.

Que tal, então, se mantida zerada a tributação federal sobre as importações realizadas via plataformas digitais, também reduzir ao mesmo patamar (ou seja, a zero) a incidência tributária do comércio nacional? Não seria uma medida de respeito e igualdade entre o brasileiro e o estrangeiro?

Somente a isonomia poderá impedir a destruição de milhares de empresas e empregos no Brasil.

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É PRESIDENTE DO INSTITUTO PARA DESENVOLVIMENTO DO VAREJO (IDV

Opinião por Jorge Gonçalves Filho