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Opinião | Descobrindo nosso planeta: os mistérios do oceano

A tecnologia está nos ajudando a entender melhor o oceano e suas potencialidades para enfrentar questões urgentes, como o aquecimento global, desastres ambientais, novos tratamentos de doenças e energia renovável

Por Janaína Bumbeer e Jyotika Virmani

Há alguns dias, o mundo soube de uma nova montanha na Terra. Com 3.109 metros de altura, ela é quase oito vezes mais alta que o icônico Pão de Açúcar, no Rio de Janeiro. Mas não é tão fácil de ser vista, por estar escondida no nosso oceano. Seu cume fica quase mil metros abaixo da superfície do mar, de modo que toda a montanha fique em escuridão absoluta, e, mesmo assim, ela abriga vida marinha abundante, que está intacta durante séculos. A descoberta ocorreu durante uma expedição para explorar as águas internacionais da Cordilheira de Nazca, uma cadeia montanhosa no Sudeste do Pacífico, usando tecnologias sofisticadas de mapeamento do fundo do mar a partir de um navio de pesquisa.

Explorar as profundezas marítimas é tarefa difícil, por ser um lugar inóspito para humanos – com altas pressões, um ambiente corrosivo de água salgada e sem luz. Não à toa, mais pessoas estiveram por mais tempo na superfície lunar iluminada pelo sol do que no ponto mais profundo do oceano do nosso planeta. Toda a superfície de Marte é mapeada com mais detalhes do que a do nosso próprio planeta – atualmente, temos um bom mapa de cerca de 47,5% da superfície terrestre.

O oceano possui volume de 1 bilhão de quilômetros cúbicos e uma biodiversidade maior do que a encontrada em terra, cobre 71% do planeta e tem uma barreira que nos impede de ver o que está abaixo da superfície. No entanto, a tecnologia está mudando essa realidade, ajudando-nos a entender melhor o oceano e suas potencialidades para enfrentar questões mais urgentes, como o aquecimento global, desastres ambientais, novos tratamentos de doenças e energia renovável.

Há 170 anos acreditava-se que não havia vida na profundeza oceânica em razão da ausência de luz solar. Hoje, sabemos que não só existe vida, como essa vida marinha existe nos ambientes mais extremos. As fontes hidrotermais habitadas por organismos a mais de três quilômetros de profundidade, descobertas em 1977 por cientistas, hospedam vida que obtém energia a partir de reações químicas, em vez da luz solar. No ano passado, foi descoberto um novo ecossistema animal prosperando em cavidades abaixo dessas fontes. Com tanto para explorar, não nos espanta que tantas novas espécies marinhas sejam encontradas com frequência. Neste ano, apenas nas Cordilheiras de Salas y Gomez e Nazca foram descobertas cerca de 170 novas espécies. Cientistas seguem a procurar outras para serem somadas às cerca de 240 mil espécies marinhas já identificadas, entre 2,2 milhões estimadas pelo Censo Oceânico.

Os montes submarinos são hotspots de biodiversidade, o que justifica a necessidade de um bom mapa do fundo do mar para encontrar vida. O projeto GEBCO Seabed 2030, da Nippon Foundation, tem a missão de mapear todo o fundo do mar. Atualmente, um mapa de 26% está disponível em alta resolução. O novo monte submarino na Cordilheira de Nazca, juntamente com outros nove montes também mapeados pela primeira vez na mesma expedição, foi descoberto usando sonar, tecnologia que emite ondas sonoras que refletem em objetos submersos, permitindo sua detecção e localização a partir do tempo de retorno dessas ondas.

A base para o desenvolvimento sustentável do oceano vem da pesquisa científica oceânica, que ainda tem um longo percurso a ser explorado, pensando também em pesquisas interdisciplinares que consideram as interações terra-mar, oceano-atmosfera e oceano-criosfera. De acordo com o Relatório Mundial sobre a Ciência Oceânica, da Unesco, a ciência oceânica recebe somente de 0,04% a 4% do total de gastos com pesquisa e desenvolvimento em todo o mundo. Os maiores orçamentos dedicados estão nos EUA, na Austrália, Alemanha, França e Coreia do Sul.

No Brasil, instituições públicas de ensino e fundações de amparo à pesquisa são protagonistas do financiamento científico, porém não há informações consolidadas sobre o montante de investimento, o que compromete ainda mais o setor, conforme alertaram os pesquisadores Roberto de Pinho, Alexander Turra e Jailson Bittencourt de Andrade, em artigo publicado na revista Ciência & Cultura, da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). As exceções incluem a Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza, que tem destinado cerca de 25% dos seus investimentos a iniciativas voltadas à proteção de ambientes costeiro-marinhos.

Para estimular a ciência oceânica e o aproveitamento de tecnologias dispendiosas, a cooperação internacional se torna extremamente necessária. Considerando que o oceano é um patrimônio global e único, nada mais natural que isso ocorra. O Brasil, líder em publicações científicas na América Latina e no Caribe, tem fortalecido sua participação em programas internacionais.

Contudo, a cooperação científica não dispensa a necessidade de ampliar investimentos em pesquisa no Brasil também, tanto para formar especialistas quanto para garantir avanços sociais, científicos e econômicos sustentáveis a partir das descobertas marinhas. Mesmo com limitações, o Brasil tem se destacado no desenvolvimento de tecnologias para a conservação do oceano e da vida marinha. Iniciativas da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), por exemplo, incluem usinas para geração de energia a partir das ondas do mar, processos de biorremediação de ambientes contaminados por óleo e uso de leveduras para descontaminação de efluentes e detecção de metais pesados.

As inovações oceânicas também avançam por caminhos que levam à conservação do ambiente marinho, como a geração de corais de proveta por cientistas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) para repovoar e restaurar áreas degradadas. Outro exemplo, conduzido pelo Projeto Fiotrar, é a confecção de mantas com aparas de cabelo humano para retirar óleo derramado no oceano. Cada grama de cabelo é capaz de reter cinco gramas de óleo. Ambos os projetos são apoiados pela Fundação Grupo Boticário.

Importante ressaltar que nem sempre a inovação está atrelada a tecnologias de ponta e o simples pode ser o mais eficiente. Exemplo disso é o Projeto Marulho, que fabrica e comercializa produtos a partir de redes de pesca que seriam descartadas no mar, evitando a pesca fantasma. O projeto e os produtos, bem como sua confecção, são feitos em conjunto com pescadores artesanais, gerando renda para a comunidade de Ilha Grande, no Rio de Janeiro. Isso demonstra como a inovação encontra seu maior potencial quando aliada ao conhecimento tradicional.

Um oceano acessível, com dados e informações disponíveis, tecnologia e inovação, é um dos sete resultados esperados pela agenda da Década da Ciência Oceânica para o Desenvolvimento Sustentável da ONU. Este mês, o tema será uma das pautas de encontro internacional no Rio de Janeiro, reunindo cerca de 30 instituições filantrópicas globais.

Embora possamos comemorar alguns avanços tecnológicos a favor de soluções oceânicas, é preciso que a comunidade global compreenda a importância de direcionar esforços e recursos para a descoberta do oceano e os avanços que isso pode representar em diversas esferas. Embora a inteligência artificial, a Internet das Coisas (IoT) e o Big Data possam acelerar as descobertas, o conhecimento tradicional e científico existente deve orientar a sua aplicação. Por fim, para que esses avanços garantam um ambiente marinho sustentável, a informação resultante deve ser acessível e bem governada. Afinal, por mais que desvendemos os mistérios do oceano, ele sempre será maior do que a humanidade.

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SÃO, RESPECTIVAMENTE, BIÓLOGA, DOUTORA EM ECOLOGIA E CONSERVAÇÃO, GERENTE DE PROJETOS DA FUNDAÇÃO GRUPO BOTICÁRIO; E FÍSICA, DOUTORA EM OCEANOGRAFIA FÍSICA, CIENTISTA ATMOSFÉRICA, DIRETORA EXECUTIVA DO SCHMIDT OCEAN INSTITUTE

Opinião por Janaína Bumbeer

Bióloga, doutora em Ecologia e Conservação, é gerente de projetos da Fundação Grupo Boticário.

Jyotika Virmani

Física, doutora em Oceanografia Física, cientista atmosférica, é diretora executiva do Schmidt Ocean Institute.