Tramita no Congresso Proposta de Emenda Constitucional (PEC 45) que reformula as regras de tributação. O texto foi elaborado com base em trabalho desenvolvido por especialistas do Centro de Cidadania Fiscal (CCiF), com experiência no governo, na academia e na área internacional.
Conheci, como participante ou analista, todos os projetos de reforma tributária formulados desde o início dos anos 1980. Este é o melhor já concebido. Intenta substituir nosso sistema de tributação do consumo, provavelmente o mais caótico e disfuncional do planeta, por um moderno Imposto sobre o Valor Agregado (IVA), o modelo adotado por mais de 160 países.
O nosso IVA seria denominado Imposto sobre Bens e Serviços (IBS). Cobrado no destino e repartido entre as três esferas de governo, substituiria cinco tributos: IPI, ICMS, ISS, PIS e Cofins. As alíquotas seriam uniformes, ficando proibido o seu uso para a concessão de incentivos fiscais. Haveria desoneração integral de exportações (com ressarcimento de créditos em até 60 dias) e bens de investimento.
Prevê-se uma transição de dez anos para a implementação do IBS, durante os quais conviverão o antigo e o novo sistemas, com o gradativo desaparecimento do primeiro e a crescente participação do segundo. Isso permitirá a progressiva familiarização dos contribuintes e a adoção de ajustes. Outra transição, de 50 anos, valerá para a partilha do IBS entre a União, os Estados e os municípios, sem consequências para os contribuintes. Nos primeiros 20 anos garante-se que não haverá perdas de arrecadação para nenhuma esfera de governo.
A Índia padecia de situação semelhante à do Brasil na tributação do consumo, agravada por controles nas fronteiras dos Estados. Era normal ver centenas de caminhões nos postos fiscais aguardando a conferência e o carimbo de documentos. O país implementou seu IBS em 2017. Estima-se que a reforma aumentou o PIB potencial indiano em dois pontos porcentuais. É difícil de fazer o mesmo cálculo no Brasil, mas é certo que o IBS elevará a capacidade de crescimento da economia brasileira.
Como é natural, surgiram opiniões contrárias ao projeto. Diz-se que a mudança pode elevar o litígio tributário. Assim, para evitar suposta pletora de ações judiciais questionando o IBS, defende-se uma simplificação mediante reforma dos atuais tributos. Equivale a dizer que seria possível pôr em pé a desengonçada estrutura da atual tributação do consumo.
Basta, para contestar a tese, tomar o caso do ICMS. Este tributo, que na origem era cobrado sobre o valor agregado, degenerou para uma incidência em cascata, geradora de ineficiências. O ICMS é composto por 27 distintas jurisdições, incontáveis alíquotas explícitas ou implícitas e confusos regimes de tributação. No comércio eletrônico, o vendedor precisa saber - obrigado que é a cobrar o imposto na origem - todas as regras das demais unidades da Federação. Impossível.
A experiência internacional mostra que o Imposto sobre o Valor Agregado, tecnicamente superior a outras formas de tributação do consumo, precisa ser uniforme nos territórios onde é cobrado. Na União Europeia, seus 28 membros adotam as mesmas regras básicas, não lhes sendo facultado alterá-las. Difícil de imaginar essa harmonização na bagunça em que vivemos. O ICMS não tem como ser salvo.
A segunda objeção diz respeito à autonomia dos Estados, que, diz-se, seria violada pela PEC 45. Trata-se de exagerada interpretação de norma constitucional. O Brasil é, hoje, a única Federação relevante do mundo - à exceção dos Estados Unidos, por suas características singulares - que não adota um modelo coordenado de cobrança do IVA. Federações mais fortes e mais antigas, como as da Alemanha, Austrália e Canadá, têm modelos harmonizados de cobrança e repartição de seus IVAs.
Mesmo que se aceite que a autonomia regional para tributar é cláusula pétrea da Constituição, o projeto estabelece que os Estados e municípios terão o poder de determinar a tributação do consumo em seu território, pois poderão alterar a parcela que lhes cabe na alíquota do IBS e gerir a respectiva arrecadação.
Uma objeção envergonhada vem do governo federal. Em vez de juntar-se ao projeto do deputado Baleia Rossi, autor da PEC 45, contribuindo para seu aperfeiçoamento, tem anunciado um projeto paralelo, que abrangeria apenas os tributos e contribuições da União. A ideia padece de ao menos três defeitos, a saber:
- Cria um IVA federal compreendendo IPI, PIS e Cofins. O melhor é discutir a reforma nos termos da PEC 45, em lugar de despender capital político em dois esforços separados de mudança constitucional;
- Reintroduz a CPMF, uma incidência altamente distorciva que se justificou em momento de emergência, o que não é o caso neste instante;
- Defende a extinção de contribuições sobre a folha, substituídas pela nova CPMF. O padrão neste campo, em todo o mundo, desde as reformas do chanceler alemão Otto Von Bismarck, nos anos 1880, é a contribuição previdenciária sobre a folha. A mudança criaria um potencial de fraude, pois empresas poderiam informar ao INSS valores maiores do que pagam de salários para aumentar a aposentadoria de seus trabalhadores. Isso exigiria a criação de um custoso aparato de fiscalização para identificar e punir tais manobras.
Em resumo, a PEC 45 pode promover uma ousada reforma da tributação do consumo. A medida reduziria drasticamente as atuais ineficiências, que distorcem a alocação dos recursos na economia, punem o investimento, reduzem a competitividade dos produtos brasileiros e submetem as empresas exportadoras a uma acumulação elevada e interminável de créditos fiscais. Tudo isso desapareceria ou seria minimizado com a aprovação do projeto do deputado Baleia Rossi.
*MAÍLSON DA NÓBREGA É SÓCIO DA TENDÊNCIAS CONSULTORIA, FOI MINISTRO DA FAZENDA