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Opinião | É hora de decidir

O exemplo de rigor no comportamento do presidente será positivo para a economia

Por Miguel Reale Júnior

Na semana em que se comemorava a elevação do índice de crescimento, após quase três anos de recessão, o Brasil foi surpreendido com a notícia da delação de Joesley Batista, dono da comprometida JBS, com provas avassaladoras de corrupção na República, em especial trazendo uma gravação de conversa do delator com o presidente Temer no porão do Palácio Jaburu, além de relatos de relações nada republicanas entre ambos. No exato instante de a economia do País decolar, surgiu um nevoeiro surpresa em forma de crise política de cunho moral. Como fazer de conta estar o campo aberto para pousos e decolagens, quando não se vê um palmo à frente?

A República cobriu-se de vergonha: o presidente ouvindo, com expressões abonadoras, relatos de empresário bandido sobre obstrução de justiça, além do flagrante de mala de dinheiro colhida por deputado de sua confiança como retribuição por interferência em futuras decisões do Cade. E, ainda, dois ex-presidentes, Lula e Dilma, com milhões de dólares no exterior.

Temer tentou, num lance de roque, mudando as peças do tabuleiro, reforçar sua defesa com a transferência de Torquato Jardim para o Ministério da Justiça, a demonstrar que lutará em todas as frentes para tentar salvaguardar seu mandato, malgrado a enrascada em que se envolveu. Pedido de impeachment foi apresentado pela Ordem dos Advogados do Brasil, mas seu prosseguimento depende de despacho do presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia.

Os partidos que dão sustentação a Temer estão sob pressão das bases: diretórios dos Estados e muitos deputados federais e estaduais advogam o desembarque do governo. Consequência da rejeição aos atos praticados e também uma conduta de cunho pragmático, uma exigência de sobrevivência diante da queda ainda maior da aprovação do presidente, pois nada se lucra em estar com ele abraçado.

Nesse caótico quadro, a data do julgamento no TSE da ação para declarar o abuso do poder econômico da chapa Dilma-Temer nas eleições de 2014 passou a ter um caráter de divisor de águas, como se a Justiça Eleitoral pudesse vir em socorro da crise política para resolver o que os políticos não têm o destemor de fazer. Surgem, também, as soluções mágicas: se antes diziam caber ao TSE preservar o mandato de Temer, considerando haver contas separadas para cassar Dilma, mas não o seu vice, agora, com a crise, o caminho seria cassar também o vice.

Em seguida, cumpriria declarar vago o cargo de presidente e em uma semana estaria tudo resolvido, com a eleição indireta de um nome de “consenso”. Muitos dos implicados nas falcatruas de nossa República – mormente diante da futura delação de Palocci, que faz tremer parte do setor financeiro – acrescentam a essa solução fácil também o milagre de o novo presidente, nome de consenso, vir a conter, dentro de limites aceitáveis, a ação da Operação Lava Jato, que tantos prejuízos econômicos estaria causando ao País!!!

A imaginação dos culpados é fértil para tentar encontrar caminhos quando o do processo penal não é mais suficiente à sua defesa. Surge, então, o discurso de ser necessário lutar contra a corrupção, pero no mucho, tal como ocorreu na Itália, pois o sistema político precisa ser preservado com os temperos que lhe são próprios, o que seria da “nossa cultura”. Assim, ao comportamento medroso de não tomar atitudes, transferindo para o TSE a decisão, soma-se a fala cínica dos “meio éticos”.

Sucede, contudo, não ser essa a realidade que se avizinha. Ministros do TSE poderão pedir vista do processo. Até mesmo decisão por separar a chapa é possível. Havendo condenação de Dilma e de Temer, certamente ambos recorrerão e no recurso ao STF normalmente é concedida liminar para dar efeito suspensivo ao recurso. Aos partidos da base governamental, portanto, não é dado contar com o TSE para efetivar a decisão que eles não têm a força de tomar, qual seja, a de afastar Temer. Essa tarefa é deles, seja ao não lhe concederem condições políticas, desembarcando do governo, seja por darem andamento ao impeachment.

E agora? O que devem fazer os partidos da base governista, diante do desfazimento da data mágica de 6 de junho, que será apenas mais um dia do calendário? Fazer de conta que nada aconteceu no porão do Jaburu? É possível ignorar os atos cometidos, ou seria cabível, em vista da expectativa de melhora da economia, ignorar o nevoeiro e declarar estar o céu claro para pouso e decolagem? Dever-se-ia aguardar o fim do inquérito instaurado no STF para decidir se Temer fica ou sai? Manter um governo fraco, que a tudo cederá?

Em face do decoro e da honra que devem revestir a ação presidencial, não é possível desconhecer a afronta grave à moralidade, com a escusa de se visar a contribuir para a recuperação da economia. Ao contrário, a eleição indireta, segundo a Constituição, de novo presidente dará mais ímpeto ao crescimento econômico, que apenas desponta. E ainda por cima será saudável um presidente não ameaçado de perda do cargo, com popularidade possível de conquistar.

O exemplo de rigor na exigência de comportamento digno e honrado do presidente será positivo para a economia e para o futuro neste instante de moralização da administração pública. O inverso será muito deseducador.

Por outro lado, as redes sociais e as ruas impedem que se tente paralisar a ação de persecução penal desvendada com a Operação Lava Jato contra o desvio do dinheiro público pelos eleitos pelo povo e constrangem a que a escolha do novo mandatário recaia sobre pessoa dotada de firmeza na continuidade da correção dos costumes políticos.

Agora é a hora dos partidos políticos, integrantes da base do governo, decidirem que presente e futuro reservam ao País e a si mesmos. É o momento de esses partidos não contarem a não ser com a própria coragem, se a tiverem.

*Advogado, professor titular senior da Faculdade de Direito da USP, membro da Academia Paulista de Letras, foi ministro da Justiça