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Opinião | É hora de fazer valer os recursos de compensação ambiental

Instrumento é uma conquista do Brasil e seu aperfeiçoamento traz amplos benefícios para todos, garantindo a manutenção da biodiversidade e a saúde do planeta

Por Leide Takahashi

A decisão de proteger áreas naturais por meio da criação de unidades de conservação (UCs) é fundamental para garantir a proteção da biodiversidade e uma série de condições e serviços ecossistêmicos essenciais para a manutenção da vida, como produção de água, alimentos, oxigênio, regulação do clima, entre outros. Mas, para que essas áreas possam gerar benefícios ecológicos, sociais e econômicos, são necessários investimentos para sua adequada manutenção.

A lei que instituiu o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (Lei n.º 9.985/2000) foi perspicaz ao criar também o instrumento da compensação ambiental: uma obrigação vinculada ao empreendedor no processo de licenciamento ambiental. Esse mecanismo determina que empreendimentos públicos e privados devem contrabalançar seus impactos ambientais negativos por meio do pagamento de um porcentual do valor da obra em benefício da criação ou manutenção de UCs. Um recurso cuja aplicação merece atenção de todos para que o propósito da conservação seja cumprido.

Nesses quase 25 anos de vigência, a compensação tem sido uma das principais fontes de financiamento das unidades de conservação brasileiras, totalizando investimento aproximado de R$ 90 milhões em unidades federais pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade. No entanto, a realidade nos diferentes Estados da Federação mostra que é possível – e necessário – aprimorar a gestão desse importante mecanismo. Muitos Estados enfrentam dificuldades relacionadas à execução da compensação, pois faltam diretrizes claras, processos eficientes de gestão e acompanhamento, além de transparência na aplicação dos recursos.

A insegurança jurídica é outra dificuldade a ser superada em todo o processo. Estima-se que recursos da ordem de bilhões de reais, oriundos de passivos da compensação, aguardam para serem aplicados. Considerando apenas a esfera federal – sem levar em conta recursos estaduais e municipais –, são mais de R$ 1,77 bilhão disponíveis em um fundo específico.

As unidades de conservação são criadas por atos públicos, a partir de estudos técnicos e consultas públicas, e podem ser estabelecidas em diferentes categorias de manejo pertencentes a dois grupos: proteção integral ou uso sustentável. Contudo, para serem efetivamente implementadas, essas áreas precisam de orçamento para elaborar planos de manejo, manter equipe e instalar a estrutura necessária para cumprir com as suas finalidades.

A função primordial de uma UC é proteger a biodiversidade local e os serviços ecossistêmicos oferecidos. Áreas protegidas são essenciais para a adaptação às mudanças climáticas, estratégicas para a proteção de encostas, infiltração e qualidade do solo, abastecimento hídrico, entre vários outros benefícios. Diante de eventos climáticos extremos cada vez mais frequentes e avassaladores, as unidades precisam ser valorizadas e priorizadas em termos de criação e implementação. Em função disso, as metas globais para conservar a biodiversidade do planeta preveem que ao menos um terço das terras, mares e águas interiores seja protegido até 2030.

O aperfeiçoamento da compensação ambiental passa pela atualização de normativas, portarias, instrumentos jurídicos e pela atuação de comitês para o planejamento e a gestão financeira desses recursos. É preciso, ainda, o reforço de equipes técnicas para que a destinação das receitas financeiras seja planejada, aprovada pelo conselho gestor da unidade e mais estratégica, de acordo com a realidade de cada unidade de conservação, buscando a verdadeira finalidade desses recursos: a conservação de áreas naturais.

Apesar dos desafios, boas práticas estão em andamento no País. Um exemplo vem da Bahia, onde uma série de iniciativas tem sido desenvolvida para otimizar a aplicação dos recursos provenientes de empreendimentos de alto impacto ambiental. Entre as ações está o estabelecimento de uma nova modelagem para elaboração do Plano Anual de Aplicação dos Recursos da Compensação Ambiental, indicando as unidades e os projetos prioritários para destinação dos recursos. Também na Bahia está em tramitação junto ao governo do Estado a proposta de aprimoramento normativo da compensação ambiental para ajustá-la à legislação atual e à jurisprudência sobre o tema, com a regulamentação de um fundo específico para a operacionalização dos recursos.

Outra frente que tem gerado bons resultados é a parceria do poder público com instituições públicas e privadas para a administração e gestão dos fundos de compensação, contribuindo para adoção de transparência e boas práticas em relação à aplicação dos recursos de compensação – de modo a garantir que sejam destinados às finalidades previstas na legislação. Nessa direção, programas de capacitação de agentes públicos sobre as melhores práticas e exigências legais da compensação ambiental, assim como a colaboração com governos locais para identificar áreas prioritárias para a destinação dos recursos, são ações que podem ser adotadas em todo o Brasil.

Fortalecer a gestão das unidades de conservação e garantir a aplicação eficiente dos recursos da compensação ambiental são medidas de grande relevância para o poder público, mas também de grande interesse para toda a sociedade. Nesse sentido, parcerias e cooperações entre diferentes atores não são apenas bem-vindas, mas também necessárias. Devemos reconhecer que o instrumento da compensação ambiental é uma conquista do Brasil e seu aperfeiçoamento traz amplos benefícios para todos, garantindo a manutenção da biodiversidade e a saúde do planeta.

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GERENTE SÊNIOR DE CONSERVAÇÃO DA NATUREZA DA FUNDAÇÃO GRUPO BOTICÁRIO DE PROTEÇÃO À NATUREZA, É MEMBRO DA REDE DE ESPECIALISTAS EM CONSERVAÇÃO DA NATUREZA

Opinião por Leide Takahashi

Gerente sênior de Conservação da Natureza da Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza, é membro da Rede de Especialistas em Conservação da Natureza