A Lei das Eleições, que entrou em vigor no dia 30 de setembro de 1997 (Lei n.º 9.504/97), estabelece as normas que regem o processo eleitoral. Nestes 25 anos de vigência, já foram 13 eleições e, a cada certame, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) determina o regimento das eleições, impondo mudanças que alteram substancialmente o que pode e o que não pode ocorrer numa eleição.
Neste percurso de 25 anos, assistimos a mudanças drásticas com 14 alterações ordinárias no seu texto original e três emendas constitucionais a refletir diretamente nos seus dispositivos, como a extinção do financiamento de empresas às campanhas eleitorais e as contínuas restrições à propaganda eleitoral. Segmentos importantes da cadeia da comunicação foram afetados pela legislação eleitoral no decorrer do tempo, como, por exemplo, as empresas de outdoors, que tiveram de se abster de participar do processo eleitoral por imposição da lei. A cada pleito, consultores de marketing, consultores políticos e advogados especializados em Direito Eleitoral precisam se debruçar sobre as novas imposições e ajustar o planejamento das campanhas eleitorais e essas alterações que se sucedem indefinidamente.
Todas as restrições impostas no decorrer destes anos foram subvertidas em algum grau a partir das eleições de 2018, quando Jair Bolsonaro assumiu o protagonismo político, deixando as sombras do poder para se tornar um dos principais atores da atualidade.
Sob alegação de que o bolsonarismo foi além de um movimento político-partidário para ser um movimento social de grande adesão das massas, as manifestações supostamente populares subverteram a legislação eleitoral, constrangendo e humilhando a letra da lei com a permissividade de ações desorganizadas e descentralizadas de difícil identificação de seus autores. A mídia outdoor, hoje proibida pela legislação eleitoral, por exemplo, foi exposta aos milhares nas eleições de 2018 e de 2022, sem que houvesse registro de punições que impedissem a sua utilização. O uso da máquina pública para a promoção pessoal e a realização de eventos claramente eleitorais com financiamento do governo passaram ilesos, até o momento, na eleição de 2022. E, com isso, um desequilíbrio na paridade de armas, com ruptura da linha horizontal de igualdade entre os concorrentes do certamente eleitoral, com as candidaturas organicamente organizadas em seus partidos seguindo regiamente as proibições determinadas pela legislação eleitoral, enquanto movimentos intitulados de direita ignoraram solenemente as restrições impostas pela lei. E este espírito de rebeldia liderado pelo primeiro cidadão da República acabou irradiando para as eleições estaduais, multiplicando-se os exemplos de flagrante desrespeito à legislação eleitoral.
Mas o que nos parece um mal pode ser, na verdade, o início de um debate necessário para levantar as imposições restritivas que a cada eleição foram criadas sob a égide de combater o abuso do poder econômico, do poder político ou de autoridade e o uso indevido dos veículos de comunicação social, inclusive a internet. Tais imposições trazem, hoje, um entulho regulatório esquizofrênico e arcaico, que não considera que estamos sob a regência do financiamento público das campanhas eleitorais e que, portanto, em tese, os recursos são oriundos de fonte legítima. Simplificar as restrições da propaganda eleitoral, inclusive, poderá permitir ao TSE focar na fiscalização daquilo que é fundamental, que é o uso indevido de recursos financeiros nas campanhas eleitorais. E, também, adaptar a lei à crescente utilização dos recursos das mídias digitais, atacando de maneira eficaz a profusão de fake news nas eleições e preservando o direito à privacidade do eleitor no ambiente das redes sociais.
Portanto, é urgente rediscutir a legislação eleitoral, sobretudo proceder a uma adaptação dos novos conceitos no projeto do código eleitoral, promovendo audiências públicas que possam avaliar o estado da arte das eleições brasileiras, envolvendo juristas, sociedade civil e entidades participantes do processo eleitoral. Deixar esse debate restrito ao Congresso Nacional é permitir que apenas uma parte interessada interfira num dos principais pilares do Estado Democrático de Direito, que é a eleição livre e regular, a exemplo do que ocorreu com o ataque enfrentado pelos institutos de pesquisas ao final do primeiro turno das eleições deste ano, destacando que o autor da lei que regulamenta o processo eleitoral é o interessado direto na sua vigência.
Para que o preceito da democracia representativa possa expressar verdadeiramente o desejo da maioria, é preciso que este debate possa ser o mais amplo possível, permitindo, inclusive, que os dispositivos de democracia participativa previstos na Constituição da República possam ser utilizados, para que a Lei Eleitoral possa expressar verdadeiramente os anseios da cidadania brasileira, que consagra a soberania popular na escolha dos seus representantes.
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SÃO, RESPECTIVAMENTE, ADVOGADO ELEITORALISTA, EX-PRESIDENTE DA COMISSÃO DE DIREITO POLÍTICO ELEITORAL DA OAB-SP E MEMBRO FUNDADOR DA ACADEMIA BRASILEIRA DE DIREITO ELEITORAL E POLÍTICO (ABRADEP); E DOUTOR EM CIÊNCIA POLÍTICA PELA UNIVERSIDADE DE LISBOA, MEMBRO DO CONSELHO CIENTÍFICO DO INSTITUTO DE PESQUISAS SOCIAIS, POLÍTICAS E ECONÔMICAS (IPESPE) E PROFESSOR DA UNIVERSIDADE DE TAUBATÉ