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Opinião|É preciso debater a fila de espera no tratamento da escoliose em crianças e adolescentes

Pacientes jovens podem figurar como um modelo no nosso sistema de saúde universal e inclusivo, mudando de vez o rumo atual da doença

Por Robert Meves
Atualização:

O Junho Verde tem por objetivo criar uma consciência coletiva positiva sobre a escoliose, uma deformidade da coluna vertebral que atinge de 2% a 4% da população, segundo a Organização Mundial da Saúde. A cor verde simboliza esperança para os portadores da doença que afeta 6 milhões de brasileiros.

Quando acomete crianças e adolescentes, no entanto, é preciso agir rapidamente: a espera por uma cirurgia no Sistema Único de Saúde (SUS), por meses ou anos, pode significar a incapacidade, em graus variados, e, em casos extremos, até abreviar a vida desses jovens, porque a escoliose grave deforma o tórax a ponto de impedir um padrão respiratório suficiente, além de sobrecarregar o coração. O tratamento cirúrgico no momento adequado permite a retomada de uma vida inteiramente saudável.

A cirurgia consiste em corrigir a curvatura da coluna e fixá-la. São procedimentos extensos, que necessitam de estruturas complexas e de equipe multiprofissional especializada na sua realização segura.

Em um estudo inédito realizado no Brasil pelo Grupo de Estudos de Escoliose Pediátrica (Gepedi), da Sociedade Brasileira de Coluna (SBC), publicado na edição de 1/12/2023 da revista Spine, o mais importante periódico científico do mundo na área da coluna vertebral, os autores acompanharam 704 crianças e adolescentes de 0 a 18 anos de idade, por dois anos (2020 a 2022), que aguardavam tratamento cirúrgico para a colocação de gesso ou órteses.

A pesquisa foi desenvolvida em 21 centros de referência que prestam atendimento pelo SUS. O estudo constatou que a média do atraso no início do tratamento proposto era de quatro anos e três meses, devido à demora na transferência para centros especializados e a limitações físicas como a falta de leitos em UTIs e de técnicas, como a carência de monitorização neurofisiológica – o acompanhamento em tempo real do estado dos nervos durante a cirurgia para detectar riscos de lesão neurológica, garantindo cirurgias mais seguras.

Esse inaceitável tempo de espera pelo tratamento apontado na pesquisa da SBC impacta, antes de mais nada, a vida dos jovens pacientes, que apresentam piora na escoliose, e em consequência necessitam de cirurgias mais agressivas, com maior morbidade e custo. Os resultados cirúrgicos também são menores, afetando o retorno à vida funcional, com custos previdenciários maiores, além do aumento da judicialização.

O Gepedi está iniciando a segunda fase da pesquisa através de uma comissão de pesquisa, fomento e inovação formada especialmente para realizar a avaliação dos pacientes com escoliose de início precoce – deformidades que começam antes dos 10 anos de idade –, com o objetivo de criar um cadastro nacional com dados que permitam ao Ministério da Saúde uma política de atendimento a esses pacientes.

Além disso, são necessárias a unificação e a organização de listas nacionais, a codificação da monitoração neurofisiológica no rol de procedimentos autorizados pelo SUS e a inclusão dos procedimentos cirúrgicos para a escoliose no Fundo de Ações Estratégicas e Compensações (Faec), como nas cirurgias cardíacas, e a identificação de hospitais regionais especializados para a realização desses tratamentos.

Nossas crianças e adolescentes com escoliose devem ser diagnosticados e receber atendimento cirúrgico sem fila de espera, como acontece em outros países. São vidas que dependem da disposição de gestores competentes e sensíveis, para que tenham um futuro sem agravamento da doença. Por serem estatisticamente poucos, os pacientes de escoliose podem ser rapidamente retirados dos levantamentos de dados nefastos das filas de espera, e figurar como um modelo no contexto do nosso sistema de saúde universal e inclusivo do SUS, mudando de vez o rumo atual de uma doença tratável, desde que abordada precocemente, de forma rápida e assertiva.

A sociedade como um todo precisa se conscientizar de que a escoliose em crianças e adolescentes precisa de políticas públicas para diminuir o impacto da doença nas vidas dos pacientes.

Junho Verde é uma campanha de alerta. Junte-se a nós para que as mudanças urgentes não retardem o diagnóstico e tratamento preconizado para escoliose. Neste ano, o ápice das celebrações do Dia Mundial da Escoliose será no dia 29 de junho, último sábado do mês, como tem sido desde que a data foi criada, em 2013.

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PRESIDENTE DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE COLUNA

Opinião por Robert Meves

Presidente da Sociedade Brasileira de Coluna