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Opinião|Edificante exemplo para o País

Na inaudita tragédia do Rio Grande do Sul, cada brasileiro deu vazão a um imperativo de consciência e ao apelo de seu coração

Por Antonio Cláudio Mariz de Oliveira

Jair Bolsonaro foi o chaveiro, o São Pedro do mal. Abriu as portas do armário dos conservadores raivosos. Os seus ocupantes saíram destilando intolerância e ódio. O 8 de Janeiro foi a materialização de um movimento desenvolvido já há tempos e calcado em ideias reacionárias expostas com agressividade e ameaças de violência, que acabaram por se concretizar.

Eu não imaginava que o País contivesse um tão expressivo contingente do pensamento contracivilizatório, destrutivo e violento. Estavam nas sombras, vieram à luz do dia com o aceno de quem pensam ser o guia.

Qualquer item de sua odiosa e retrógrada pauta é exposto não de forma argumentativa, retórica, com objetivos de procurar convencer o interlocutor. Não, o expositor quer impor a sua opinião e já a apresenta como verdade absoluta, que não admite contestação. Nos seus olhos há sangue, e não brilho curioso para saber a opinião alheia. Fala com raiva, em tom belicoso. Não quer convencer, mas impor o seu pensamento e destruir o potencial discordante.

Eu não acho que a direita abrigue apenas pessoas com esse perfil, que defendem teses mantenedoras do “status quo”, contrárias a mudanças e evoluções. O conservadorismo em si não é um mal, pois por vezes nos faz refletir sobre temas específicos e até pode provocar o reexame desta ou daquela tese progressista. Há uma direita, no entanto, nociva ao aprimoramento do homem e da sociedade que sempre atua de forma intolerante e radical.

Ademais, no campo econômico, é inaceitável a sua pregação do capitalismo meramente argentário, desprovido de todo e qualquer sentido social. O lucro pelo lucro, sem nenhuma preocupação com o equilíbrio distributivo, que permita socorrer as trágicas carências da majoritária população brasileira.

Como exemplo desse capitalismo alienado e insensível pode ser citada uma única das inúmeras carências sociais historicamente existentes a serem supridas. Trata-se da vergonhosa inexistência de água potável e de esgoto para um segmento colossal da nossa sociedade. As preocupações com essa questão são retóricas e não partem para o campo das realizações concretas. Cito esse único problema pois se trata, para mim, de um símbolo eloquente do descaso para com as necessidades do povo, por parte de uma elite insensível, que só se mobiliza em seu prol.

Aliás, a respeito, lembro-me de um homem público que recentemente afirmou com cinismo e revoltante desfaçatez que brasileiro pula em esgoto e não acontece nada.

Esse não é o pensamento da direita lúcida e consciente, mas daquela que desenvolve uma atuação predatória, eivada de rancor e de verdadeira repugnância por tudo o que lhe contraria.

Pois bem, em face do quadro de intolerância raivosa que se instalou no País, com a ascensão do radicalismo, creio haver a necessidade urgente de um amplo movimento para neutralizar os seus efeitos nocivos. Há um concreto risco de ruptura social e institucional.

Na sociedade, ao lado da indesejável polarização ideológica – talvez nem sequer ideológica, mas reflexo de idiossincrasias pessoais –, o relacionamento interpessoal inamistoso, que resvala por vezes na violência, tem gerado rupturas familiares e de amizades, criando um estado social de desarmonia e de intranquilidade.

Há de haver uma impostergável tomada de consciência de sua respectiva responsabilidade por segmentos responsáveis pela condução de setores específicos do corpo social. Judiciário, imprensa, Parlamento, advocacia, influenciadores digitais e tantos outros quantos emitam opiniões, notícias, críticas, que possam influenciar, acalmar ou acirrar ânimos.

Não podem ser adiadas iniciativas do Legislativo ou do Executivo que normatizem, regulamentem e coloquem balizas nas atividades desenvolvidas pelas mídias sociais. Deve ser encontrado um equilíbrio entre dois relevantíssimos direitos e seus consectários interesses: a liberdade de expressão, de uma banda, e a verdade e a dignidade pessoal, de outra.

Recentemente, a nossa gente – milhões e milhões de pessoas – deu uma extraordinária prova de solidariedade ao socorrer, tal como cada qual pôde, os gaúchos vitimados por uma inaudita tragédia. Não se levou em conta raça, cor, diferenças econômicas, culturais, políticas, simpatias pessoais, todos ajudaram todos. Cada brasileiro deu vazão a um imperativo de consciência e ao apelo de seu coração.

Essa mobilização coletiva em prol de parcela da sociedade atingida pela inaudita tragédia do Rio Grande do Sul deve servir de exemplo para que seja possível uma atuação em busca de objetivos comuns, ligados à paz e à harmonia sociais.

A imprensa e as redes sociais deverão estar prontas a desenvolver um fundamental papel nessa jornada pacificadora e, portanto, cívica. Os cidadãos lúcidos têm a obrigação de fazer um trabalho de conscientização geral em torno dos males representados pela intolerância, pela falta de compreensão e de complacência, que poderão criar um insustentável clima de discórdia e conduzir à distopia e ao caos social.

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ADVOGADO

Opinião por Antonio Cláudio Mariz de Oliveira

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