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Opinião | Educação superior: responsabilidade de quem?

Os dados de educação e economia são presságios da morte do sonho de um país desenvolvido

Por Ado Jorio de Vasconcelos

O artigo 205 da Constituição afirma que a educação é “direito de todos e dever do Estado e da família”, devendo ser “promovida e incentivada com a colaboração da sociedade”. Nesse contexto, quando analisamos dados gerais como o montante de recursos que aplicamos em educação (o equivalente a 6% do PIB), o número de professores que temos (2,5 milhões, sendo 14% destes no ensino superior), o total de instituições de ensino superior com programas de pós-graduação (473), dentre outros, podemos inferir que o Brasil tem se esforçado para cumprir seu dever constitucional em educação. Mas outros indicadores mostram que estamos falhando, em quantidade e qualidade, no processo de formação de profissionais.

Um exemplo dessa falha na quantidade é que apenas 22% dos jovens brasileiros de 25 a 34 anos tiveram acesso ao ensino superior, etapa que ajuda a qualificá-los para o trabalho. A média dos países membros da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) é 47%. Em relação à qualidade, dados indicam que nosso Produto Interno Bruto (PIB) per capita, que era 44% do correspondente americano na década de 1980, tem decaído sistematicamente, atingindo 25% em 2020. No mesmo período, a Coreia – que reformulou investimentos em educação – teve aumento no PIB de 20% para 65%.

Conforme a Constituição, a responsabilidade pelo fracasso recairá sobre Estado e família, que financiam nosso ensino superior, cada vez mais dominado pelo setor privado. Enquanto nos anos 1980 o setor público era responsável por quase metade das matrículas em cursos de graduação, hoje essa relação mudou: das 10 milhões de matrículas, 8 milhões estão no ensino privado. No ano de 2023, o setor privado despejou no mercado mais de 23 milhões de vagas em cursos de graduação, sendo 19 milhões na modalidade a distância, num crescimento de 232% em cinco anos – o que lembra o avanço recente das apostas online, bets. A discrepância entre vagas ofertadas e matrículas realizadas aponta para uma política de mercado livre, e críticas sobre o desempenho abaixo da média desses cursos em avaliações têm sido frequentes.

Assim como a pandemia da covid nos mostrou a necessidade de uma saúde pública, os dados de educação e economia são presságios da morte do sonho de um país desenvolvido. A educação precisa estar atrelada ao nosso exercício de cidadania, e não a um processo de agarrar oportunidades de mercado. A degradação do ensino superior público, que é o último recanto de nossa excelência em educação, será o fracasso da nossa democracia.

Um grupo de trabalho da Academia Brasileira de Ciências lançou neste mês o documento Um olhar sobre o ensino superior no Brasil, com recomendações para que possamos democratizar um ensino superior público de qualidade, base para o nosso desenvolvimento sustentável. As propostas englobam a diversificação e modernização do sistema, e a busca pela colaboração da sociedade.

De onde virá o dinheiro? Há diferentes possibilidades. O Ministério da Educação gastou, em 2023, R$ 5 bilhões com o Fundo de Financiamento Estudantil (Fies), sendo que o perdão da dívida relacionada a esse programa de transferência de recursos do Estado para o setor de educação privada já ultrapassou a casa de dezena de bilhões. Um fácil começo seria reorientar parte desse recurso para a implementação das propostas da academia, como a inclusão de novos modelos de ensino superior público.

Toda mudança é desafiadora e encontra resistência dos diversos setores, mas precisamos reverter urgentemente o processo de degradação em curso.

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PROFESSOR TITULAR DA UFMG LICENCIADO PARA A DIRETORIA DO INTERNATIONAL IBERIAN NANOTECHNOLOGY LABORATORY, É COORDENADOR DO GRUPO DE TRABALHO SOBRE ENSINO SUPERIOR DA ACADEMIA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS

Opinião por Ado Jorio de Vasconcelos

Professor titular da UFMG licenciado para a diretoria do International Iberian Nanotechnology Laboratory, é coordenador do Grupo de Trabalho sobre Ensino Superior da Academia Brasileira de Ciências

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