Com a aproximação das eleições municipais, vem com elas aquela sensação de bons ventos: os serviços públicos funcionam melhor, as finanças vão bem e a competência do candidato à reeleição parece evidente. Isso não é coincidência. Prefeitos que estão no comando da administração municipal têm uma vantagem: o poder de usar o orçamento da cidade a seu favor para gerar condições econômicas favoráveis e assim conquistar votos. Estudo recente envolvendo mais de 3 mil municípios brasileiros mostra que, entre 2005 e 2020, prefeitos em primeiro mandato receberam mais transferências de recursos e gastaram mais do que aqueles em segundo mandato (Reeleição, regras fiscais e federalismo: incentivos eleitorais no Brasil, de Débora Costa Ferreira e Maurício Bugarin), conforme previsões das teorias de ciclos políticos-orçamentários (Equilibrium political budget cycles, de K. Rogoff).
Desde 2001, a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) e a Lei Eleitoral tentam limitar esse comportamento no final do mandato, estabelecendo regras que proíbem transferências e certos gastos no período próximo às eleições, especialmente compromissos que deixem obrigações sem caixa suficiente para o próximo governo. No entanto, os dados indicam que, ao longo do tempo, essas restrições estão perdendo força.
Entre 2005 e 2012, prefeitos em primeiro mandato respeitavam mais essas regras. Para se adequar, eles antecipavam receitas e despesas nos anos anteriores às eleições e/ou empurravam o pagamento de obrigações para o mandato seguinte. Esse comportamento foi observado especialmente na obtenção de transferências correntes da União e com gastos em áreas como saúde, educação, esporte e lazer, bem como em despesas com pessoal, contratação de empresas e infraestrutura.
A partir de 2013, com a expansão das emendas parlamentares e o fim do financiamento privado de campanha, esse quadro mudou. Prefeitos em primeiro mandato passaram a concentrar mais receitas e despesas no próprio ano eleitoral, com recebimento de maior volume de transferências federais e maiores gastos em áreas como educação, esporte e lazer, além de despesas com a própria administração pública. Durante esse período, esses prefeitos receberam, em média, R$ 338 a mais por habitante em transferências da União e gastaram R$ 236 a mais por habitante em comparação com prefeitos de segundo mandato.
O resultado é o aprofundamento de oscilações nos ciclos orçamentários ao longo do mandato, fazendo com que o funcionamento da gestão municipal e a execução das políticas e serviços públicos locais fiquem ao sabor dos momentos políticos em que se encontra o município, sobretudo aqueles com grande dependência de transferências. Os municípios passam por um boom de receitas e gastos no ano das reeleições, mas nos outros períodos a fonte seca, causando imprevisibilidades e descontinuidades das políticas públicas e serviços públicos para a população local.
O gráfico abaixo ilustra a distribuição dos gastos ao longo um mandato seguindo o comportamento ótimo que a Lei de Responsabilidade Fiscal pretendia induzir, isto é, gasto equilibrado ao longo do mandato, alterado apenas por variações inesperadas na economia. Mostra ainda o mecanismo de manipulação eleitoreira do ciclo político-orçamentário, em que o prefeito reduz artificialmente o gasto nos primeiros anos para aumentá-lo no ano eleitoral, beneficiado ademais pelas transferências, e assim angariar os votos para sua reeleição (Transferências voluntárias e ciclo político-orçamentário no federalismo fiscal brasileiro, de Ivan Ferreira e Maurício Bugarin).
Essa deterioração das regras de final de mandato alerta para a necessidade de revisão do seu desenho de incentivos, corrigindo as distorções geradas pela limitação temporal das regras e pela possibilidade de aumentar gastos a partir da expansão da base de receita corrente líquida, o que poderia ser feito no âmbito dos projetos da nova Lei de Finanças Públicas em tramitação no Congresso Nacional. Para além disso, também é preciso pensar em reformas que proporcionem maior previsibilidade e estabilidade às transferências e aos gastos locais, associando mecanismos de cooperação federativa com fundamentos do marco orçamentário de médio prazo e de transparência fiscal.
Para nós, eleitores, fica o aviso: elevados gastos no ano eleitoral podem indicar penúria pós-eleitoral. Vale a pena verificarmos a evolução dos gastos e da provisão de serviços ao longo do mandato, para não cairmos na falácia do ciclo político-orçamentário. Como diz o ditado popular, “quando a esmola é demais, o santo desconfia”.
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SÃO, RESPECTIVAMENTE, DOUTORA EM ECONOMIA PELA UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA (UNB); E PROFESSOR TITULAR DO DEPARTAMENTO DE ECONOMIA DA UNB