Fuga de Mossoró; Operação Escudo; Operação Verão; balas perdidas – na verdade, diversas balas perdidas e diversas vítimas –; violência e aumento da letalidade policial; organizações criminosas e facções ocupando os espaços públicos e atividades econômicas lícitas; lavagem de dinheiro; assassinato em via pública à luz do dia; fim das chamadas saidinhas, que jogou a juventude presa diretamente nos braços do crime organizado. De forma bem resumida, essa é a retrospectiva da segurança pública no Brasil no ano de 2024.
Referidos temas só cederam espaço no noticiário ao longo do ano quando os olhares se voltavam aos temas econômicos, como o ajuste fiscal, os juros e a reforma tributária. E há um paralelo aqui a ser feito: em ambos os casos, sabemos o que fazer, somente não queremos fazer o que tem de ser feito. E o caos impera.
Enquanto não tratarmos a política pública criminal e a segurança pública como temas técnicos, não sentiremos avanços e o Brasil continuará no atoleiro em que se encontra.
Técnica nós temos; polícias bem aparelhadas e treinadas, também. Contamos, ainda, com recursos públicos; um sistema jurídico operante, baseado em princípios e regras claras; e conceitos e técnicas científicas. Só não temos vontade política de mudar a realidade, talvez porque o legislador, e a classe política de uma forma geral, esteja mais preocupado com selfies e com o orçamento secreto do que com a res publica.
A política criminal é uma política pública como outra qualquer e demanda formulação com base em dados científicos. Acabar com a saidinha, como já disse em outras oportunidades, foi um erro e não trouxe os resultados almejados. Simples aumentos de penas, da mesma forma, somente servem ao efeito simbólico do Direito Penal, ou seja, não trazem benefícios concretos para a segurança pública.
O que poderia trazer, de fato, melhorias à população, tão carente de paz social e da existência de espaços públicos tranquilos e saudáveis, seria desenvolver políticas públicas idôneas, por exemplo, diminuindo o número de pessoas em cumprimento de penas desnecessárias, de forma que os recursos públicos destinados ao nosso sistema penitenciário ou às penas alternativas fossem realocados para a porta de entrada do sistema, qual seja, para a atividade de policiamento ostensivo e investigativo. Parece paradoxal, mas não é.
É a mesma lógica, implementada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), de extinguir execuções fiscais quando o valor da dívida estatal cobrada for baixo e a execução não mostrar nenhuma aptidão para atingir o resultado para o qual foi ajuizada.
No caso do sistema jurídico penal, a ideia é a mesma: para que manter uma execução penal em andamento quando se identifica que a execução daquela pena não tem mais nenhuma finalidade preventiva? Se a execução penal baseia-se somente na chamada retribuição, devem-se criar mecanismos para que seja extinta, assim como se faz com as execuções fiscais hoje, para que o sistema possa focar nos crimes graves, aqueles que realmente lesionem a sociedade.
O resultado esperado disso é um aumento da eficiência e da eficácia do sistema jurídico penal como um todo. Entre os efeitos estaria a já mencionada liberação de recursos da execução penal para as atividades de policiamento ostensivo e investigativo, o que, por uma regra de lógica simples, terá como resultado número maior de policiais nas ruas, o que reflete diretamente na diminuição dos crimes, redundando no aumento, por sua vez, da sensação de segurança da população.
A título de ilustração, enquanto o nosso sistema carcerário consome algo como R$ 1 bilhão por mês somente com os custos de manutenção das unidades prisionais, estamos discutindo cortes em áreas prioritárias para o ajuste do Orçamento e das despesas públicas. Ou seja, enquanto gastamos mal de um lado, temos dificuldade de encontrar fontes de recursos para quem mais precisa, de outro.
O ano de 2024 foi um ano de muitos desafios, mas de pouquíssima efetividade.
Sob as luzes da nossa Constituição federal de 1988, esperamos que em 2025 a eficiência, a legalidade e a transparência reinem em prol da nossa sociedade. Afinal, a segurança pública é dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, e é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, e não para causar danos, para agredir e para criar ambientes deteriorados dos quais se vale o crime organizado para expandir sua atuação.
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ADVOGADO CRIMINALISTA, DOUTOR E MESTRE PELA PUC-SP, PRESIDENTE DA COMISSÃO ESPECIAL DE ADVOCACIA CRIMINAL DA OAB/SP, É AUTOR DE, ENTRE OUTROS, ‘POLÍTICA PÚBLICA CRIMINAL – UM MODELO DE AFERIÇÃO DA IDONEIDADE DA INCIDÊNCIA PENAL E DOS INSTITUTOS JURÍDICOS CRIMINAIS’ (JURUÁ EDITORA)