Eventos climáticos extremos em todo o mundo, incluindo o Brasil, estão demonstrando a necessidade de sermos mais eficazes no combate às causas das mudanças climáticas. Hoje já vivemos uma emergência que pode ser definida como um desafio de tempo e temperatura. Estamos a uma temperatura global de 1,2°C, e a janela de oportunidade para evitar violações massivas e abruptas dos direitos humanos é cada vez menor. Se excedermos 1,5°C, desencadearemos pontos de ruptura que causarão impactos irreversíveis e potencialmente catastróficos. Os modelos climáticos sugerem um conjunto de 11 mudanças abruptas entre 1,5°C e 2°C de aquecimento.
Estamos abandonando em ritmo acelerado o espectro de temperatura global em que a civilização se desenvolveu.
Ao longo da História, a legislação em matéria de direitos humanos serviu como um farol de esperança e como uma estrela-guia. A ameaça existencial que a emergência climática representa para a humanidade justifica uma interpretação evolutiva da legislação de direitos humanos para reconhecer o direito à resiliência. Isso impõe duas obrigações claras ao Estado: mitigação eficaz para reduzir o ritmo do aquecimento no curto prazo e permanecer abaixo de 1,5°C e adaptação eficaz para as gerações presentes e futuras.
Quanto maior a temperatura, menos eficaz é a adaptação. Por isso é imperativo agir em ambas as frentes simultaneamente: baixar a taxa de temperatura no curto prazo e investir na resiliência dos setores mais vulneráveis aos impactos das mudanças climáticas hoje e manter a resiliência de ecossistemas fundamentais para a estabilidade climática, como o Ártico, a Amazônia, a Antártida e as geleiras de montanha, entre outros. Se perdermos esses ecossistemas, a adaptação não será possível.
Nem todas as medidas de mitigação têm impacto na temperatura no curto prazo e nem todas as adaptações criam resiliência. É por isso que o direito humano à resiliência funciona como um princípio ordenador para concentrar as ações e garantir que os esforços sejam eficazes na resposta à emergência.
Para reduzir o ritmo de aquecimento no curto prazo, é essencial agir de forma imediata e focada. A redução dos superpoluentes climáticos de curta duração pode evitar quase quatro vezes mais aquecimento até 2050 do que as estratégias baseadas apenas no carbono. Essa é atualmente a única forma de desacelerar a taxa de aquecimento a curto prazo. Ainda podemos salvar tudo e não deixar ninguém para trás.
A Corte Interamericana de Direitos Humanos, que realiza audiências públicas no Brasil sobre a intersecção entre clima e direitos humanos, tem uma oportunidade extraordinária para aconselhar os Estados sobre as ações necessárias para aumentar a resiliência e evitar violações massivas dos direitos humanos. No topo da lista estão as ações para reduzir as emissões de metano, carbono negro e HFC, que são as mais eficazes para frear o ritmo do aquecimento no curto prazo, em paralelo com a mitigação do CO2. Esse plano emergencial deve também incluir a proteção dos sumidouros de carbono (florestas, zonas húmidas, manguezais, oceanos) e glaciares.
As audiências, que têm como objetivo apoiar a elaboração de um parecer consultivo, acontecem na sequência da cúpula da Pontifícia Academia das Ciências do Vaticano sobre resiliência climática, convocada pelo papa Francisco. O momento não poderia ser mais oportuno.
O papa Francisco, em documento sobre a resiliência climática, refere-se à necessidade imperiosa de desacelerar a taxa de aquecimento e limitar a temperatura global abaixo de 1,5ºC. E refere-se expressamente ao fato de que devemos mitigar os superpoluentes climáticos de curta duração para reduzir a taxa de aquecimento para metade no curto prazo. O Santo Padre referiu-se ao fato de que “a destruição do ambiente é uma ofensa a Deus”. A questão é: “Estamos trabalhando em prol de uma cultura da vida ou de uma cultura da morte?”.
A Avaliação Global do Metano das Nações Unidas confirma que a redução do metano é a estratégia mais rápida para limitar o aquecimento nos próximos 20 anos. Já existem tecnologias para reduzir essas emissões em 45% até 2030 (em comparação com os níveis normais em 2030), para atingir quase 0,3°C de aquecimento evitado até 2040. Para tanto, devem ser tomadas medidas obrigatórias em três setores: produção de energia (principalmente nas indústrias de petróleo e gás), agricultura e resíduos. A maioria delas é rentável, cria empregos locais e melhora a saúde humana e a produtividade das lavouras.
O tribunal tem uma oportunidade extraordinária de orientar o caminho a seguir, tendo o direito humano à resiliência como bússola. Afinal, somos a última geração que pode fazer algo verdadeiramente notável e significativo para proteger a humanidade e outras formas de vida na Terra. Se não nós, quem? Se não agora, quando?
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PRESIDENTE DO CEDHA, CONSELHEIRA SÊNIOR EM QUESTÕES DE MUDANÇAS CLIMÁTICAS NO IGSD, FOI MINISTRA DO MEIO AMBIENTE DA ARGENTINA