Foto do(a) page

Conheça o Espaço Aberto na editoria de Opinião do Estadão. Veja análises e artigos de opinião em colunas escritas por convidados e publicadas pelo Estadão.

Opinião|Emergência climática e direitos humanos

A ameaça existencial justifica uma interpretação evolutiva da legislação para reconhecer o direito à resiliência

Por Romina Picolotti

Eventos climáticos extremos em todo o mundo, incluindo o Brasil, estão demonstrando a necessidade de sermos mais eficazes no combate às causas das mudanças climáticas. Hoje já vivemos uma emergência que pode ser definida como um desafio de tempo e temperatura. Estamos a uma temperatura global de 1,2°C, e a janela de oportunidade para evitar violações massivas e abruptas dos direitos humanos é cada vez menor. Se excedermos 1,5°C, desencadearemos pontos de ruptura que causarão impactos irreversíveis e potencialmente catastróficos. Os modelos climáticos sugerem um conjunto de 11 mudanças abruptas entre 1,5°C e 2°C de aquecimento.

Estamos abandonando em ritmo acelerado o espectro de temperatura global em que a civilização se desenvolveu.

Ao longo da História, a legislação em matéria de direitos humanos serviu como um farol de esperança e como uma estrela-guia. A ameaça existencial que a emergência climática representa para a humanidade justifica uma interpretação evolutiva da legislação de direitos humanos para reconhecer o direito à resiliência. Isso impõe duas obrigações claras ao Estado: mitigação eficaz para reduzir o ritmo do aquecimento no curto prazo e permanecer abaixo de 1,5°C e adaptação eficaz para as gerações presentes e futuras.

Quanto maior a temperatura, menos eficaz é a adaptação. Por isso é imperativo agir em ambas as frentes simultaneamente: baixar a taxa de temperatura no curto prazo e investir na resiliência dos setores mais vulneráveis aos impactos das mudanças climáticas hoje e manter a resiliência de ecossistemas fundamentais para a estabilidade climática, como o Ártico, a Amazônia, a Antártida e as geleiras de montanha, entre outros. Se perdermos esses ecossistemas, a adaptação não será possível.

Nem todas as medidas de mitigação têm impacto na temperatura no curto prazo e nem todas as adaptações criam resiliência. É por isso que o direito humano à resiliência funciona como um princípio ordenador para concentrar as ações e garantir que os esforços sejam eficazes na resposta à emergência.

Para reduzir o ritmo de aquecimento no curto prazo, é essencial agir de forma imediata e focada. A redução dos superpoluentes climáticos de curta duração pode evitar quase quatro vezes mais aquecimento até 2050 do que as estratégias baseadas apenas no carbono. Essa é atualmente a única forma de desacelerar a taxa de aquecimento a curto prazo. Ainda podemos salvar tudo e não deixar ninguém para trás.

A Corte Interamericana de Direitos Humanos, que realiza audiências públicas no Brasil sobre a intersecção entre clima e direitos humanos, tem uma oportunidade extraordinária para aconselhar os Estados sobre as ações necessárias para aumentar a resiliência e evitar violações massivas dos direitos humanos. No topo da lista estão as ações para reduzir as emissões de metano, carbono negro e HFC, que são as mais eficazes para frear o ritmo do aquecimento no curto prazo, em paralelo com a mitigação do CO2. Esse plano emergencial deve também incluir a proteção dos sumidouros de carbono (florestas, zonas húmidas, manguezais, oceanos) e glaciares.

As audiências, que têm como objetivo apoiar a elaboração de um parecer consultivo, acontecem na sequência da cúpula da Pontifícia Academia das Ciências do Vaticano sobre resiliência climática, convocada pelo papa Francisco. O momento não poderia ser mais oportuno.

O papa Francisco, em documento sobre a resiliência climática, refere-se à necessidade imperiosa de desacelerar a taxa de aquecimento e limitar a temperatura global abaixo de 1,5ºC. E refere-se expressamente ao fato de que devemos mitigar os superpoluentes climáticos de curta duração para reduzir a taxa de aquecimento para metade no curto prazo. O Santo Padre referiu-se ao fato de que “a destruição do ambiente é uma ofensa a Deus”. A questão é: “Estamos trabalhando em prol de uma cultura da vida ou de uma cultura da morte?”.

A Avaliação Global do Metano das Nações Unidas confirma que a redução do metano é a estratégia mais rápida para limitar o aquecimento nos próximos 20 anos. Já existem tecnologias para reduzir essas emissões em 45% até 2030 (em comparação com os níveis normais em 2030), para atingir quase 0,3°C de aquecimento evitado até 2040. Para tanto, devem ser tomadas medidas obrigatórias em três setores: produção de energia (principalmente nas indústrias de petróleo e gás), agricultura e resíduos. A maioria delas é rentável, cria empregos locais e melhora a saúde humana e a produtividade das lavouras.

O tribunal tem uma oportunidade extraordinária de orientar o caminho a seguir, tendo o direito humano à resiliência como bússola. Afinal, somos a última geração que pode fazer algo verdadeiramente notável e significativo para proteger a humanidade e outras formas de vida na Terra. Se não nós, quem? Se não agora, quando?

*

PRESIDENTE DO CEDHA, CONSELHEIRA SÊNIOR EM QUESTÕES DE MUDANÇAS CLIMÁTICAS NO IGSD, FOI MINISTRA DO MEIO AMBIENTE DA ARGENTINA

Opinião por Romina Picolotti

Presidente do CEDHA, conselheira sênior em questões de mudanças climáticas no IGSD, foi ministra do Meio Ambiente da Argentina