Para responder à iminente falta de energia elétrica em nosso país, causada pela ausência de chuvas e pela queda acentuada nos níveis dos reservatórios das usinas hidrelétricas, as autoridades do setor resolveram pela reativação de usinas termoelétricas e por reforçar o funcionamento de hidrelétricas e das usinas nucleares de Angra 1 e Angra 2. Essas providências demonstram que, de imediato, o Brasil não pode prescindir de nenhuma fonte de energia.
Para resolver o problema no longo prazo, contudo, será inevitável considerar o aumento da participação da energia nuclear na matriz energética do País - assunto que deve ser prioridade nas agendas do governo federal, do setor produtivo e da academia e apresentado à sociedade com seriedade e clareza.
A matriz energética brasileira, baseada majoritariamente em usinas hidrelétricas, está entre as mais confiáveis e mais limpas do mundo. Essa fonte, entretanto, é vulnerável a eventos climáticos extremos, como acontece atualmente. A opção pela geração termoelétrica é inevitável em momentos como este, mas vai na contramão da História ao utilizar uma fonte emissora de dióxido de carbono (CO2), principal suspeito de causar as mudanças climáticas que, afinal, comprometem a geração hidrelétrica.
As chamadas fontes renováveis, geração solar e eólica, são opções possíveis, mas caras, de manutenção trabalhosa e que requerem imensas áreas para captação. Por exemplo, uma residência com quatro habitantes consome em média 200 kW de energia elétrica por mês. A geração solar custaria para essa residência cerca de R$ 1.400, ante aproximadamente R$ 100 para geração hidrelétrica (tributos não foram incluídos nessa conta).
A utilização de termoelétricas também implica aumento de custos. Por exemplo, todos os consumidores de São Paulo sentem isso no bolso, pois atualmente pagam R$ 5 a mais a cada 100 kW de consumo por causa da reativação dessas usinas.
Diante desse quadro - submissão das hidrelétricas aos efeitos climáticos, passivo ambiental elevado provocado pelas termoelétricas e altos custos para geração por fontes renováveis -, impõe-se ao País a necessidade de aumentar a geração de energia elétrica por fonte nuclear.
Alguns países adotam significativamente a energia nuclear. Mesmo no Japão, onde os terremotos são uma preocupação constante, a geração nuclear responde por cerca de 25% de sua matriz energética. O Brasil, ao contrário, reúne todas as condições favoráveis para o uso da energia nuclear. Possui a matéria-prima em abundância (as reservas de urânio são estimadas em 500 mil toneladas), detém a tecnologia necessária para transformá-la em combustível e domina o conhecimento para construir as usinas.
Há, certamente, preocupação com a segurança, mas os últimos acidentes sérios envolvendo geração nuclear ocorreram por falhas humanas (Chernobyl) ou por se construírem usinas numa zona propensa a terremotos (Fukushima). Justamente por seus riscos, a geração nuclear está entre as mais seguras. Atualmente há 440 usinas nucleares em operação no mundo e 23 em construção.
Há, também, a questão ambiental. O processo de geração nuclear resulta em resíduos radiativos que devem ser descartados sem riscos de contaminação. Até nesse ponto a situação favorece o Brasil, que tem vastas áreas despovoadas, com terrenos geologicamente estáveis. Além disso, há uma nova classe de reatores nucleares em desenvolvimento (Geração IV), que prevê a reconversão dos rejeitos radiativos para serem novamente empregados como combustíveis nucleares.
Os custos de construção de uma usina são, naturalmente, elevados, mas os custos de operação são mais baixos e o longo tempo de comissionamento compensam a sua construção. Para efeito de comparação, estima-se que a Usina Hidrelétrica de Belo Monte custará R$ 26 bilhões, enquanto Angra 3 sairá por cerca de R$ 14 bilhões. Ambas, após construídas, deverão apresentar custos de operação equivalentes. O ponto, entretanto, não é apenas econômico. O País não pode prescindir de Angra 3, assim como não pode prescindir de Belo Monte. Necessitamos de uma rede flexível, em que as diferentes partes possam compensar deficiências de fornecimento em situações de emergência.
Há, entretanto, uma fonte de vulnerabilidade. O Brasil carece de profissionais capazes de atender a uma demanda crescente por energia nuclear. Os profissionais treinados pelo Acordo Brasil-Alemanha, nas décadas de 1970 e 1980, migraram para outras áreas ou estão atingindo idade de aposentadoria. A Universidade Federal do Rio de Janeiro percebeu essa questão e criou um curso de Engenharia Nuclear. Na mesma linha, a Universidade de São Paulo, por meio da Escola Politécnica, discute a criação de um curso semelhante.
A demanda pelo profissional vai muito além da geração de energia, haja vista as aplicações farmacológicas e de pesquisa científica, além, é claro, do programa de submarinos nucleares mantido pela Marinha do Brasil. O Brasil já produz radiofármacos, o que possibilita a distribuição desse tipo de medicamento pelo Sistema Unificado de Saúde (SUS). E nossa capacidade de produzir radiofármacos vai aumentar substantivamente com a construção, já em curso, do Reator Multipropósito Brasileiro (RMB).
O aumento da nossa capacidade na área nuclear vai requerer profissionais capacitados a lidar tanto com a produção quanto com a manipulação dos produtos radioativos, cujos benefícios para a população são indiscutíveis.
Se a energia nuclear é uma opção incontornável para o País, a formação de engenheiros nucleares, como planeja a Escola Politécnica da USP, é uma decisão que não pode ser postergada.
*Cláudio Geraldo Schön é Professor associado do Departamento de Engenharia Metalúrgica da Escola Politécnica da USP, colabora como pesquisador independente com o programa nuclear da Marinha do Brasil.