Duas são as desculpas mais comumente apresentadas por Lula e pelo PT por estarem no centro de investigações criminais ao lado de empreiteiras privilegiadas com sobrepreços em contratos com a Petrobrás: a criminalização do PT pela grande imprensa e o despeito das elites, inconformadas com a ascensão das classes pobres. O discurso da vitimização só aumenta de volume, com o PT e Lula choramingando no meio do lodaçal em que se meteram e no qual imaginavam que se iriam fartar, escondidos no fato de terem trazido, graças ao programa Bolsa Família, melhoria a milhões de pessoas. Que enrascada! A imprensa apenas tem levado ao conhecimento de leitores, ouvintes ou telespectadores fatos trazidos à tona pelas diversas operações da Polícia Federal e pelos processos instaurados, em especial na 13.ª Vara da Justiça Federal, cujo titular é o juiz Sergio Moro. A curiosidade geral justifica-se, pois todos querem estar a par de como, quando, quem, onde se surrupiou o dinheiro público em benefício final de políticos e de partidos. Como a imprensa poderia tratar, senão com grande interesse, o fato de as três maiores empreiteiras do País promoverem benesses no sítio e no apartamento em nome de terceiros, mas cuidados e frequentados por Lula e sua mulher? Como noticiar a delação de Delcídio Amaral, que revela Lula e Dilma promovendo medidas em favor dos réus do petrolão, em grave interferência no curso do processo criminal? Apenas com nota de rodapé, fato que, se verdade, transforma o governo em organização criminosa? Silenciar acerca de uma enrascada dessas? A imprensa deveria crer nos comunicados do Instituto Lula no sentido de não ser o ex-presidente dono do tríplex no Guarujá ou do sítio em Atibaia? Cumpriria nada perquirir acerca das razões por que três grandes empreiteiras se preocuparam com o andamento das reformas e melhorias no sítio de Fernando Bittar? Por que o presidente de uma empreiteira autorizou a compra, com dinheiro vivo, de cozinhas da Kitchens para o tríplex, do qual o cotista desistira, ou o sítio de um zé-ninguém, o filho de Jacó Bittar? Deveria a imprensa admitir, como diz Lula em petição ao STF, ter sido a reforma do sítio um presente de Bumlai, apesar de este negar e indicar uma empreiteira como a autora da obra? Deveria a imprensa não avaliar a recusa de Lula a depor ao Ministério Público, unilateralmente adotando a prerrogativa apenas própria de presidente em exercício de enviar declaração por escrito? Dever-se-ia impedir a veiculação da prisão do marqueteiro do PT e de sua mulher, por contas ilícitas no exterior alimentadas por empreiteira? Caberia omitir a denúncia de Delcídio Amaral acerca da participação de Lula e Dilma visando a “melar” o processo do petrolão? Ora, não é a imprensa que cria os fatos, estes é que pautam a imprensa pelo interesse que suscitam. Quanto ao ressentimento da elite inconformada com a elevação do nível de vida dos pobres, cabe indagar: quem constitui essa elite raivosa? Por que ter ódio de se haver promovido o bem de muitos pobres, que redundou, na verdade, sob o aspecto econômico, no bem geral, pois promoveu o consumo e animou a atividade do mercado? Seriam os malvados com a melhoria dos miseráveis os 50 milhões de eleitores de Aécio? Seria o PSDB a fonte da revolta com a ascensão dos pobres? O PSDB foi formado por líderes de centro-esquerda, com larga preocupação social que se expressou em programas sociais nos governos estaduais e no federal. O Bolsa Família, Lei n.º 10.836/2.004, nasceu da junção do Fome Zero com programas instituídos no governo Fernando Henrique: o Programa Nacional de Renda Mínima vinculado à educação-Bolsa Escola, o Programa Nacional de Renda Mínima vinculada à saúde-Bolsa Alimentação e o Programa Auxílio Gás. Ruth Cardoso, esposa de Fernando Henrique, dirigiu no governo dele trabalho de capacitação solidária, visando à profissionalização dos mais pobres. Portanto, as esfarrapadas desculpas do PT e de Lula confirmam os fatos e ofendem a inteligência. Por essa razão, a cada dia a ladainha petista só faz crescer a revolta diante da corrupção e das tramas em favor da impunidade. De outra parte, a direção errática da economia, que levou ao artifício das pedaladas, causou o desastre do desemprego, da inflação, terrível para os mais pobres, bem como o medo perante o futuro com descrença total em Dilma e na classe política. Como sair dessa enrascada? A revolta diante da corrupção, potencializada pelas explicações bisonhas, não levará ao caminho trágico da guerra civil ou da intervenção militar. O julgamento do processo no TSE demorará. Vem de começar a instrução e, apesar do escândalo revelado pela Operação Acarajé, o julgamento só ocorrerá no segundo semestre e é passível de recurso ao STF. O impeachment, após a intromissão abusiva do Supremo, contrariando o decidido no caso Collor (basta ver o acórdão do MS n. 21.564-DF), depende para prosseguir de esclarecimentos cobrados em embargos de declaração. Depois poderá recomeçar, até com novos fatos, não se sabendo ainda de que forma e com quais forças políticas em ação. Se Dilma for afastada, resta o processo no TSE, que poderá no futuro atingir Michel Temer, ou seja, mais um presidente na berlinda. O Brasil merece que as lideranças políticas busquem um caminho. Os brasileiros, com medo do desemprego e desespero diante doimpasse político, vão às ruas novamente dia 13 deste mês. O povo nas ruas muito fragiliza o governo, mas não anuncia soluções. A única estrada possível é novo sistema de governo, o semipresidencialismo, com primeiro-ministro confiável, fruto de grande acordo nacional. Dilma, afastada pelas infrações cometidas, cabe ser substituída pelo vice, mas com reduzidas atribuições, pois caberá ao primeiro-ministro governar. *Miguel Reale Júnior é advogado, professor titular senior da Faculdade de Direito da USP, membro da Academia Paulista de Letras e foi Ministro da Justiça