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Opinião|Entre o sofrimento e o bom senso

A Lei de Zoneamento está nos levando no sentido contrário de uma cidade acolhedora

Por Basilio Jafet

Gestores e urbanistas das grandes cidades do mundo perceberam que as áreas para viver são finitas e que as populações continuarão crescendo. Para se adaptar a esse fato inexorável, a maioria está revendo suas leis urbanísticas e promovendo o chamado adensamento inteligente. Assim, estão otimizando os espaços, introduzindo economia de escala e melhorando a qualidade de vida.

A meta é centralizar os habitantes em perímetros que ofereçam simultaneamente comércio, escolas, shoppings, hospitais, etc., reduzindo deslocamentos. Algo bem diferente do que encontramos em Brasília, por exemplo, onde as quadras temáticas (escritórios, residências, etc.) impõem aos seus habitantes a necessidade de ir e vir o tempo todo.

As experiências internacionais mostram que o adensamento realizado com inteligência é a solução. Em Nova York, é possível construir até 30 vezes a área de um terreno. E não se tem notícia de que as pessoas vivam mal por causa disso.

Outro aspecto que se destaca é a preocupação em equilibrar a renda das pessoas com o preço de uma moradia. Pesquisa recentemente realizada por uma consultoria britânica, a Knight Frank, em 32 cidades, avaliou o incremento do valor da habitação em relação à renda média dos cidadãos num período de cinco anos. Em certas localidades, e proporcionalmente ao crescimento econômico que fomenta a demanda por imóveis, as distorções foram gritantes. Amsterdã (Holanda) apresentou o maior desequilíbrio: o aumento do preço das residências foi 14 vezes maior que o aumento da renda das famílias.

Descompassos desta ordem dificultam a aquisição de um teto digno e também ocasionam um processo de gentrificação, especialmente pela população mais jovem, cujos proventos são menores. Por essa razão, muitos governos estão adotando novos conceitos urbanísticos e estudando meios de atrair o investimento privado na oferta de alternativas de habitação, como é o caso da locação.

A meta é garantir o saudável equilíbrio entre renda e preço da moradia. O foco está nas pessoas. São elas a razão de ser de todas as leis, em especial aquelas que determinam o uso do espaço em que habitam.

Interessante notar que, conforme a mesma pesquisa, o crescimento da renda em Nova York foi quase 40% maior que a elevação do custo dos imóveis. A população tem muito mais acesso à habitação, o que certamente também se deve ao maior adensamento.

Tudo isso nos leva a indagar: qual é a São Paulo que queremos? A resposta natural é uma cidade mais acolhedora, boa para viver, com deslocamentos fáceis e equipamentos urbanos à mão, aspectos que o último Plano Diretor Estratégico de São Paulo buscou contemplar, ao propugnar por calçadas amigas, fachadas ativas, menos muros, enfim, uma cidade contínua, com edificações plurais - caso do Conjunto Nacional, um ícone conceitual.

Entretanto, a atual Lei de Zoneamento está nos levando no sentido contrário. As regras deixam ao largo deste ideal de cidade mais de 96% de seu território. Afinal, o único espaço hoje disponível para promover habitações em condições mais acessíveis aos cidadãos está nos chamados Eixos de Estruturação da Transformação Urbana, que correspondem a 3,33% do município. Isso mesmo: 3,33%! A demanda de 30 mil unidades residenciais por ano vai caber no que sobrou desse pedaço da cidade? Alguém já fez essa conta?

As habitações que o mercado imobiliário comercializa hoje estão concentradas nesse ínfimo espaço ou foram aprovadas antes da atual legislação em áreas situadas fora daqueles perímetros. E as vendas das unidades disponíveis estão acontecendo, o que indica que o estoque será consumido rapidamente.

O risco de escassez de oferta, que é iminente, só será afastado com a calibragem da Lei de Zoneamento. Isso significa rever as condições de autorização de produção de imóveis não situados nos eixos, onde o gabarito permitido está limitado, em grande parte, a edifícios com até oito andares. Resultado: criação de “oásis” para famílias mais abastadas.

Elevar esse gabarito, mantendo o mesmo adensamento, é a forma de democratizar o espaço e também permitir a diversificação de tipologias. Afinal, acesso à moradia e possibilidade de escolha são condições de cidades urbanisticamente equilibradas.

Como as regras em vigor estão empurrando as pessoas para os Eixos de Estruturação da Transformação Urbana, os edifícios são todos muito parecidos, com metragens pequenas e uma (ou nenhuma) vaga. Esse é o tipo de imóvel cuja produção é induzida nestas regiões. Mas até quando isso atenderá à sociedade? Tudo o que se concentra demasiadamente tende ao esgotamento. Ademais, quanto maior a pluralidade nos modelos de habitação, melhor para a sociedade.

É importante entender que esta não é uma questão do mercado imobiliário, mas dos cidadãos. Até porque o mercado é resiliente. Produzirá menos, mais caro e para menos famílias. Buscará novas cidades para trabalhar; municípios vizinhos que oferecem condições mais adequadas. Recolherá impostos e criará postos de trabalho em outras regiões. E terminará por levar para lá os compradores sem opção, que vão impactar ainda mais a já problemática falta de mobilidade, já que o grosso do emprego continuará na Capital.

O efeito colateral dessa condição será sentido não pelo setor imobiliário, mas pelas pessoas. Com menor oferta, o cidadão pagará mais caro pelo imóvel. Quem tem dinheiro para comprar poderá não encontrar o tipo de unidade que procura. E muitos terão como única alternativa ultrapassar as fronteiras do município.

A solução é simples: calibrar a Lei de Zoneamento. Daí ser difícil entender a demora em corrigir algo que vem para beneficiar o coletivo paulista. Só o bom senso pode evitar um desnecessário sofrimento.

*BASILIO JAFET É PRESIDENTE DO SINDICATO DA HABITAÇÃO (SECOVI-SP), É REITOR DA UNIVERSIDADE SECOVI

Opinião por Basilio Jafet