O IBGE revisou, recentemente, a estimativa de esperança de vida do brasileiro ao nascer: 76,6 anos, em média, para os nascidos em 2023. Mulheres deverão viver 79,8 anos e os homens, 73,3 anos, uma diferença de 6,5 anos. A expectativa de vida de homens e mulheres também foi mapeada por unidades da Federação, pelo IBGE, revelando diferenças na pirâmide etária entre as regiões do País.
Mas o que dizer sobre esperança de vida por cor ou raça? Qual é a diferença atual na expectativa de vida ao nascer entre negros e brancos? Se o País quer reduzir a desigualdade de bem-estar associada à cor da pele, essa pergunta não é mera curiosidade acadêmica.
Já se conhecem as diferenças na educação e no mercado de trabalho. Segundo a Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílios (Pnad), nos últimos dez anos, o salário médio de trabalhadores negros equivalia a 55% (2016) e 60% (2022) da remuneração dos brancos. E mais: a taxa de desemprego de brancos (em média, 8,6%) tem sido mais baixa do que a de negros (em média, 12,5%). Já a taxa de evasão escolar entre jovens negros de 15 a 17 anos, em 2023, era de 8,0%, e entre jovens brancos, de 4,7%. Sabe-se também que metade das crianças negras de 0 a 5 anos estava enquadrada na linha da pobreza em 2022. O patamar era de 30% entre crianças brancas. A constatação da desigualdade é a mesma, quando observada a taxa de analfabetismo entre crianças negras pobres (e aqui nos referimos à capacidade de ler um simples bilhete de quatro ou cinco palavras). Em 2022, 25% das crianças analfabetas eram negras e 20% eram brancas.
As chances de sair da pobreza também não são igualmente distribuídas. Crianças negras que, em 2005, eram dependentes do Bolsa Família tinham 27,5% de chances de continuar inscritas no programa em 2019 (quando já adultos, entre 24 e 30 anos). No sentido inverso, 16,6% dos brancos conseguiam sair dos programas sociais. É fato, também, que, entre 2015 e 2019, negros que foram dependentes do Bolsa Família, em 2005, tiveram menos chances de entrar no mercado formal de trabalho do que brancos: 47,2% dos negros, na comparação com 55,4% de brancos. Uma evidência de quanto o Brasil tem falhado na construção do futuro.
Renda, educação, consumo e lazer são elementos importantes do bem-estar das pessoas. Um componente até agora ignorado, em razão da inexistência de dados, é a diferença entre as esperanças de vida entre brancos e negros no Brasil. O Instituto Mobilidade e Desenvolvimento Social (IMDS), em parceria com pesquisadores do Cedeplar/UFMG, encarou esse desafio, uma tarefa que exigiu a adoção de premissas para combinar dados do IBGE com estatísticas de mortalidade do Sistema Único de Saúde (SUS).
Os resultados indicam que mulheres brancas nascidas entre 2010 e 2019 terão esperança de vida de 80,06 anos e as negras, de 76,01 anos. Homens brancos terão esperança de vida de 74,52 anos, enquanto negros somente de 68,65 anos, uma diferença de 5,87 anos. A diferença, contudo, é decrescente de acordo com a idade. Quando atingem 40 anos, cai para 2,96 anos, entre mulheres, e para 3,0 anos, entre homens. Ao chegar a 60 anos, fica reduzida a 1,98 ano entre mulheres e 1,54 ano para os homens. E, ao atingirem 70 anos, a diferença, tanto para homens quanto para mulheres, é de aproximadamente 1 ano (1,37 para mulheres e 0,98 para homens).
O que isso indica? Que a diferença de esperança de vida ao nascer é fortemente determinada pelos primeiros 30 anos de vida entre brancos e negros. Entre os homens, 10% da diferença decorre da mortalidade nos primeiros anos de vida (0-4 anos), e 38% da maior probabilidade de morte de homens negros na faixa etária de 15-34 anos: 83,6% da diferença de mortalidade nessas idades é atribuída à violência. É inegável que um esforço para a contenção da violência tende a beneficiar negros, reduzindo a diferença de esperança de vida e de bem-estar.
Ressalte-se que as taxas de homicídio segundo a cor/raça são distribuídas de forma heterogênea no território, mas pouco pronunciadas. Segundo o Atlas da Violência de 2024, a taxa de homicídios de negros em Salvador é de 70,2 por 100 mil habitantes e, na cidade de São Paulo, de 4,1 por 100 mil habitantes.
Em relação às mulheres, a diferença na esperança de vida ao nascer entre brancas e negras é de 4,05 anos, disparidade concentrada entre 35 e 59 anos, faixa de maior mortalidade entre mulheres negras, causada por neoplasias e doenças respiratórias, na comparação com brancas. Mulheres negras também têm uma maior mortalidade na faixa de 0-4 anos. Um reforço do acompanhamento médico dos mais pobres, desde a gestação até a vida adulta, depende da combinação eficiente de assistência social e atenção básica, para identificar os mais vulneráveis e agir tempestivamente.
Ao reunir os dados sobre a desigualdade na expectativa de vida entre brancos e negros, torna-se evidente a urgência no aperfeiçoamento das políticas públicas voltadas para a superação de problemas estruturais do País, focadas nos mais vulneráveis, as quais podem efetivamente fazer desaparecer ou reduzir, de forma acentuada, a diferença identificada.
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SÃO, RESPECTIVAMENTE, PESQUISADORES DO CEDEPLAR/UFMG; ECONOMISTA E PRESIDENTE DO IMDS; E ECONOMISTA E EX-DIRETOR DO IMDS