Aos 26 anos, antes de quebrar o pescoço e perder os movimentos de braços e pernas, tive a oportunidade – aqui cabe dizer que infelizmente ainda é para poucos em nosso país – de me formar em Publicidade e Psicologia. Não por acaso, em todos os meus mandatos, a comunicação sempre foi uma importante aliada. Neste dia em que o jornal O Estado de S. Paulo completa 150 anos, relembro quão importante foi minha história com o Grupo Estado.
Entre 2007 e 2012, apresentei o programa Derrubando Barreiras: Acesso para Todos, na Rádio Eldorado AM e Estadão/ESPN. Foi um espaço de diálogo que me permitiu levar à sociedade temas como inclusão e acessibilidade, mostrando que a comunicação pode ser uma ferramenta poderosa de transformação. Esses anos marcaram profundamente minha trajetória, e sou grata pela oportunidade de ter feito parte desse universo. Até hoje ouvintes cegos, maior audiência do rádio entre o público com deficiência, me reconhecem só pela voz.
Lembro-me da nossa primeira entrevista com o querido e saudoso Dudu Braga. Foi uma conversa que ultrapassou assuntos referentes à deficiência visual. Falamos de questões sérias e profundas, mas também debulhamos risos. Mostramos, em meia hora de bate-papo, que uma mulher cadeirante e um homem que não enxerga podem ser produtivos, provocativos e, sobretudo, felizes. E foi assim durante cinco anos de entrevistas: derrubamos muitas ideias preconcebidas, pautando temas para muito além da deficiência.
O programa Derrubando Barreiras: Acesso Para Todos orbitava sobre temas pouco explorados à época, como acesso à saúde mental, avanços da ciência, o preconceito no dia a dia de quem tem o vírus HIV, a importância da arte na construção da cidadania e tantos outros. Também falamos de temas populares, mas sempre trazendo um olhar para a questão da inclusão. Nosso guarda-chuva era grande: esporte, dança, relações humanas, filosofia, política. Chegamos a entrevistar, em período de eleições municipais em São Paulo, todos os candidatos à Prefeitura da capital paulista e questionamos todos sobre o compromisso de cada um com a questão da acessibilidade na cidade. Muita coisa passou pelos nossos microfones e o Grupo Estado foi visionário, pioneiro. Esse é um legado que fica para a história destes 150 anos.
Investir em diversidade e inclusão é um ato de resistência, coragem e ousadia. Por nosso programa passaram as mais variadas vozes, que compuseram lindamente a história de um veículo que já era marcado por momentos inspiradores: a luta pela abolição da escravidão, a defesa do regime republicano, a resistência durante a ditadura militar. Esses exemplos são mais do que páginas do passado; são lições vivas de que a liberdade de expressão e a democracia são conquistas que precisam ser defendidas todos os dias. Para mim, como leitora, admiradora e cidadã, é emocionante homenagear um veículo que tanto contribuiu e continua contribuindo para a construção de um país mais justo, inclusivo e informado.
Como senadora, entendo o peso de tomar decisões que afetam a vida das pessoas. E, como leitora do Estadão, sempre me senti acolhida pela seriedade e pela profundidade com que o jornal aborda os desafios do Brasil e do mundo. O Estadão nos ajuda a enxergar além das manchetes, com análises consistentes e uma atitude que respeita a inteligência do leitor. Em tempos de era digital e informação encapsulada, isso nunca foi tão necessário. Afinal, é inegável o progresso que a tecnologia trouxe à vida das pessoas. Contudo, como todo “mundo novo”, a internet e as bolhas trouxeram alguns desafios. Resgatar o interesse das pessoas pela leitura e fontes confiáveis de notícias são questões que veículos como o Estadão superam dia a dia.
Hoje, ao comemorar esses 150 anos, penso não apenas no passado glorioso do Estadão, mas no futuro que ele nos inspira a construir. Um futuro que depende de um jornalismo independente, ético e responsável, em que comunicar e engajar vão muito além de likes. Um futuro em que novas e antigas gerações saibam lidar de forma saudável com o contraditório, porque sem esse exercício também não existe democracia.
Cumprimento toda a equipe que faz o Estadão acontecer – jornalistas, redatores, editores, colunistas, gráficos e todos os profissionais que, com dedicação e talento, nos entregam diariamente um trabalho de excelência. Vocês mantêm vivo o espírito que fez deste jornal um farol de democracia e liberdade.
Que os próximos 150 anos sejam tão marcantes e inspiradores quanto os primeiros. E que o jornalismo profissional siga vivo e um potente aliado da nossa democracia.
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SENADORA (PSD-SP)