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Opinião | Eventos extremos são desafio da meteorologia

No dia 11 de outubro, as previsões dos melhores modelos disponíveis não conseguiram apontar que teríamos rajadas de vento de até 107 km/h em São Paulo

Por Marcelo Seluchi

Podemos entender a atmosfera como uma máquina de vapor movimentada a energia solar. Por isso, devido ao incremento da temperatura decorrente do aumento do efeito estufa, a atmosfera tem cada vez mais energia para produzir fenômenos meteorológicos extremos. Entre eles, podemos citar ondas de calor cada vez mais intensas e frequentes, chuvas torrenciais, secas prolongadas, ondas de frio intenso (embora não muito frequentes), vendavais, etc. O Brasil não escapa dessa realidade. O período seco está se tornando cada vez mais longo; a estação chuvosa, mais curta e irregular.

Contudo, a estação chuvosa pode incluir episódios de chuva muito intensa, capazes de provocar desastres, como ocorreu nos últimos anos. Assim, o volume total de água disponível para atividades como agricultura, abastecimento humano, geração de energia elétrica, etc. depende fortemente da presença de determinados sistemas meteorológicos durante a estação chuvosa, como frequência e intensidade, o que torna qualquer previsão de longo prazo muito mais desafiadora.

É muito difícil dizer com meses de antecedência, por exemplo, quantos fenômenos climáticos extremos teremos porque dependem de certas configurações atmosféricas que só podemos prever, no melhor dos casos, com poucas semanas de antecedência. Muito mais difícil ainda é prognosticar eventos intensos e localizados, que podem afetar áreas com poucos quilômetros de extensão. Esses fenômenos pontuais e de desenvolvimento muito rápido podem causar grandes estragos e prejuízos pela sua natureza repentina e devastadora, como, por exemplo, vendavais, tempestades de raios e granizo e até tornados.

No dia 11 de outubro, tivemos um exemplo disso. As previsões dos melhores modelos disponíveis não conseguiram apontar que teríamos rajadas de vento de até 107 quilômetros por hora (km/h), como ocorreu na zona sul de São Paulo e em alguns municípios da região metropolitana. Foi uma chuva relativamente rápida, de uma hora, mas os ventos se aproximaram do que seria o equivalente ao nível 1 de um furacão, a partir de 110 km/h. Para um caso como o do dia 11, os modelos meteorológicos disponíveis apenas conseguiram prever que seria um dia favorável para ocorrência de tempestades em boa parte da Região Sudeste. Porém, ainda não é possível prever com exatidão o local onde o evento iria ocorrer e, menos ainda, a velocidade exata do vento.

A previsão de curtíssimo prazo, menos de seis horas, é atualmente um dos maiores gargalos da meteorologia, pois previsões desse prazo têm a finalidade de prover detalhes que atualmente estão quase fora do alcance. Para atingir esse objetivo, a ciência meteorológica está começando a utilizar dados de vento providos por radares, informações de satélites meteorológicos, informações sobre ocorrência de descargas elétricas, entre outros – ou seja, dados com grande precisão espacial. Esses dados alimentam modelos físico-matemáticos que provêm as previsões para as próximas horas.

Porém, essas técnicas deverão ser desenvolvidas durante um longo tempo ainda, talvez uma década, para começar a prover previsões realmente detalhadas e assertivas. Técnicas modernas como o uso de inteligência artificial ou machine learning também poderão ajudar nesse processo. A previsão antecipada pode colaborar e muito para a prevenção de eventos meteorológicos extremos nas cidades, seja junto às defesas civis, que podem determinar a necessidade de evacuação de locais em risco, seja junto aos serviços do setor elétrico, entre outros.

De fato, foi a segunda vez em menos de um ano que eventos extremos afetaram com violência a cidade de São Paulo. Em novembro do ano passado, uma linha de instabilidade – como é chamada pelos meteorologistas – provocou um vendaval que atingiu 103 km/h. Em termos gerais, o Brasil não está preparado para situações com esse grau de severidade, como ocorre em outros países com longo histórico de fenômenos naturais, como furações ou tornados.

Mesmo sem um histórico tão longo, nas últimas décadas, o Brasil está registrando comprovadamente um número maior de casos de queda de granizo. É basicamente impossível ter queda de granizo sem a presença de tempestades intensas acompanhadas de rajadas de vento. Então, quanto mais tempestade, maior a chance e a incidência de granizo, especialmente se ocorre durante a primavera. Além disso, o aumento da temperatura do planeta faz aumentar a umidade retida no ar, com o qual sistemas de atuação frequente trarão cada vez mais chuva, passando a ter um potencial maior para causar estragos e colocar a vida das pessoas em risco. O centro-sul brasileiro é a região do mundo que apresenta a maior frequência de tempestades severas no mundo. Esse “privilégio” é compartilhado com países vizinhos, como Bolívia, Paraguai, Argentina e Uruguai.

Devemos nos adaptar a uma nova realidade climática, muito mais desafiadora. A ciência está trabalhando arduamente para continuar melhorando a previsão meteorológica, especialmente dos eventos extremos, mas isso deve ser um processo longo e contínuo. Paralelamente, será também necessário avançar em medidas de redução de risco e prevenção, com vistas a tornar a sociedade cada vez mais resiliente aos desastres.

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COORDENADOR-GERAL DE OPERAÇÕES DO CENTRO NACIONAL DE MONITORAMENTO E ALERTAS DE DESASTRES NATURAIS (CEMADEN)

Opinião por Marcelo Seluchi

Coordenador-geral de Operações do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden)