Um ato de violência que deve ser tratado com responsabilização e punição rígida dos envolvidos. Seja na forma física, verbal ou psicológica, o bullying e o cyberbullying são atitudes que geram prejuízos graves à saúde mental de crianças e adolescentes, que vão desde desinteresse e queda do desempenho escolar até comportamentos agressivos e consequências psicológicas, como estresse, ansiedade, ataques de pânico e depressão.
A criação de um perfil falso, o compartilhamento de figurinhas depreciativas, ofensas e apelidos pejorativos ou a adulteração de fotos e vídeos com o uso de deepfake são condutas que afetam profundamente as vítimas – como os recentes casos ocorridos no Brasil no final de 2023. Tanto, que iniciamos o ano com a aprovação da Lei n.º 14.811/2024, que incluiu no Código Penal os crimes de bullying e cyberbullying.
Além de complementar o que o Brasil vinha fazendo desde 2015 com a Lei n.º 13.185, que instituiu o Programa de Combate à Intimidação Sistemática (bullying), a nova regulamentação é uma resposta evidente para aumentar protocolos de segurança voltados à proteção da criança e do adolescente. Isso porque o novo texto determina que diversas atitudes contra menores de 18 anos sejam tratadas como crimes hediondos (inafiançáveis).
Como o Brasil é signatário da Convenção de Budapeste, é fundamental que atue para atualizar sua legislação criminal. E a responsabilização nas redes é um tema urgente e prioritário. A grande mudança é ter a especificação dos crimes de bullying e cyberbullying, que antes eram classificados com outras determinações do Código Penal, como difamação, injúria, calúnia ou ameaça.
Com essa criminalização específica, há a alteração do artigo 146-A do Código Penal: “Intimidar sistematicamente, individualmente ou em grupo, mediante violência física ou psicológica, uma ou mais pessoas, de modo intencional e repetitivo, sem motivação evidente, por meio de atos de intimidação, de humilhação ou de discriminação ou de ações verbais, morais, sexuais, sociais, psicológicas, físicas, materiais ou virtuais: (Incluído pela Lei n.º 14.811, de 2024)”.
Outro destaque é a responsabilização de aplicar pena em dobro, se o autor é líder, coordenador ou administrador de grupo, de comunidade ou de rede virtual, ou por estes é responsável. Muitos jovens são assediados ou violentados em grupos – sejam de jogos virtuais ou mesmo mídias sociais – e, por terem medo de serem cancelados, passam por uma série de bullyings sem punição. Agora, a nova legislação traz mecanismos para que o dono tenha responsabilidade com o que é divulgado. O Judiciário já vinha entendendo a responsabilidade civil sob a ótica de “quem cala consente” digitalmente.
Vivemos numa sociedade algorítmica, na qual o conteúdo chega até as pessoas. É uma conjuntura de influência, em que as informações que chegam até os usuários podem induzir condutas e comportamentos. Após a aprovação, é preciso fazer com que a lei saia do papel, por meio de campanhas educativas, de ações para educar sobre as normas, além de todo um amplo trabalho para efetivar a fiscalização e a punição.
Mudança cultural: ficha limpa nas escolas. Na minha avaliação, um dos pontos mais relevantes está no final da Lei n.º 14.811/24, nos seguintes trechos: “As instituições sociais públicas ou privadas que desenvolvam atividades com crianças e adolescentes e que recebam recursos públicos deverão exigir e manter certidões de antecedentes criminais de todos os seus colaboradores, as quais deverão ser atualizadas a cada 6 (seis) meses.
Parágrafo único. Os estabelecimentos educacionais e similares, públicos ou privados, que desenvolvem atividades com crianças e adolescentes, independentemente de recebimento de recursos públicos, deverão manter fichas cadastrais e certidões de antecedentes criminais atualizadas de todos os seus colaboradores.”
É uma nítida demonstração que estamos tratando o tema com seriedade, ao estabelecer medidas que devem gerar mudanças culturais, ao construir uma política nacional de prevenção ao abuso e à exploração da criança e do adolescente. Consiste em estabelecer o dever de cautela, prevenção e de cuidado com crianças e adolescentes.
Com todas essas alterações, é indispensável analisar de que maneira a exigência de ficha limpa dialoga com as leis de proteção de dados pessoais e como vai afetar os protocolos dessas instituições sociais e de ensino. Como será feito esse controle? De que maneira essas informações serão selecionadas e organizadas? Quais os colaboradores responsáveis por esse manejo?
A nova lei leva o assunto a ser tratado no âmbito criminal. Hoje, o que existe é uma internet de influência, de líderes de pensamento e conteúdo. Isso acarreta grandes responsabilidades. Por esse motivo há uma leitura social do Direito, ao dobrar a penalidade e gerar maior responsabilização diante destes crimes.
Não basta idealizarmos as leis, se não as compreendemos e as colocarmos em prática. O Direito precisa ser efetivo, de modo a acompanhar as modificações na sociedade, nas interações e nas maneiras de se relacionar, para que seja possível cumprir códigos morais e éticos e construir ambientes mais saudáveis e sem violência.
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ADVOGADA, PROFESSORA DE DIREITO DIGITAL DA ESPM, FOI CONSELHEIRA TITULAR DO CONSELHO NACIONAL DE PROTEÇÃO DE DADOS (CNPD)