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Opinião | Florestas – conceder para proteger

Se precisamos sair do discurso para a prática, as concessões florestais são, definitivamente, um bom começo

Por José Augusto Dias de Castro e Vladimir Miranda Abreu

O Brasil quer voltar a ter posição de liderança global na agenda ambiental. Essa é uma das prioridades no discurso do presidente Lula, o que gera grande expectativa internacional em torno das medidas concretas que o País vai tomar para proteger seus recursos naturais. A redução do desmatamento e a recuperação de áreas degradadas ganham destaque. Há alguns dias, durante a Cúpula para o Novo Pacto de Financiamento Global em Paris, Lula disse que quer zerar o desmatamento da Amazônia até 2030, uma meta bastante ambiciosa, considerado nosso recente histórico.

Nessa direção, uma iniciativa alvissareira que começa a ganhar vigor é a concessão de florestas públicas. No dia 22 de junho, o governo federal lançou o edital para concessão de três florestas nacionais localizadas na Mata Atlântica. O evento de lançamento teve a presença entusiasmada da ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, o que indica alta priorização ao tema e o alinhamento da iniciativa à visão ambiental da ministra, sabidamente conservadora. Vale observar que este é um caso elogiável de continuidade de política pública.

As estruturações de concessões florestais pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) se iniciaram no governo Bolsonaro e tiveram continuidade com o novo governo. Boas políticas públicas precisam de continuidade, e esse é um bom exemplo.

As concessões não são novidade no Brasil. Com as reformas da administração pública iniciadas a partir dos anos 1990, operou-se revolução na prestação de diversos serviços públicos, como energia, telecomunicações, transporte rodoviário e aeroportuário. Por trás delas, duas constatações. Primeiro, o Estado brasileiro não tem condições operacionais, técnicas e econômicas para tocar sozinho tantas frentes. Precisa de ajuda de parceiros privados. Segundo, não é necessário que o poder público privatize ativos ou abandone a titularidade dos serviços: pode delegar a exploração a um terceiro, mediante regras contratualmente estabelecidas, regulação e fiscalização. Embora tenham sido alvo de intensa contenda ideológica nas últimas décadas, as concessões hoje têm posição bem consolidada e são adotada largamente no Brasil por governos de todos os espectros.

Transportando isso para as concessões florestais, fica clara a conveniência desse modelo para auxiliar no esforço de proteção e recuperação buscado pelo governo. Temos no Brasil 309,7 milhões de hectares de florestas públicas, a maior área verde do mundo, cuja preservação representa um desafio inatingível somente com recursos públicos (nossos altíssimos índices de desmatamento e grilagem deixam isso evidente). Deste total, cerca de 31 milhões de hectares (10%) podem ser objeto de concessão, conforme informações do Serviço Florestal Brasileiro. Atualmente, pouco mais de 1 milhão de hectares estão concedidos a particulares.

Para tal, não é necessário que o Estado brasileiro se desfaça de seus ativos florestais. A concessão tem por lógica a manutenção das florestas nas mãos do poder público, autorizando sua exploração econômica por particulares, mediante compromissos de manejo sustentável, recuperação de áreas degradadas, preservação da flora nativa e exploração de outros ativos ambientais, como o crédito de carbono. Para o parceiro privado, o modelo é igualmente interessante, pois garante acesso a áreas de grandes proporções para manejo florestal e silvicultura de espécies nativas para exploração de produtos madeireiros, não madeireiros e serviços ambientais. São contratos longos (até 40 anos), sem necessidade de incorporação da propriedade das áreas ao balanço patrimonial da empresa concessionária.

Por fim, merece destaque que o contrato de concessão poderá prever a transferência de titularidade dos créditos de carbono do poder concedente ao concessionário. A forma de exploração dos créditos ainda precisa ser regulada, mas o edital recentemente lançado para as florestas na Mata Atlântica já prevê essa possibilidade. A depender das características da floresta concedida, esse pode ser um atrativo central para potenciais interessados, sendo mais um ponto positivo deste modelo de contratação. Créditos desse tipo já podem ser negociados no âmbito do mercado voluntário e podem se beneficiar sobremaneira com o desenvolvimento de um mercado regulado de créditos de carbono no Brasil.

Inseridas no sistema legal brasileiro em 2006 pela Lei n.º 11.284, as concessões florestais ainda não ganharam a tração desejada. Hoje, são negócios explorados em sua maioria por empresas pequenas, com impacto limitado em termos econômicos, de proteção e de regeneração de áreas degradadas. Espera-se que agora essa forma de contratar ganhe escala e possa atrair novos players experientes na exploração sustentável de recursos naturais e com capacidade de investimentos, que podem vir a desenvolver um novo ramo de atividades das quais o Brasil pode se beneficiar sobremaneira. Se precisamos sair do discurso para a prática, esse é, definitivamente, um bom começo.

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Opinião por José Augusto Dias de Castro e Vladimir Miranda Abreu