Não faz muito tempo que governos autoritários adquiriram certa legitimidade na política global. Em diversos países, tendo à frente a China e a Rússia, cada um a seu modo, líderes nacionalistas e culturas conservadoras, com escassa tolerância às minorias e à dissensão, parecem estar afinados e receptivos às demandas do cidadão comum. E hoje, nos Estados Unidos, à frente o presidente Trump, assim como em inúmeros países democráticos, ou quase, como Hungria, Turquia, Arábia Saudita e até mesmo Índia, líderes políticos seguem essa mesma onda.
A disputa eleitoral, quando praticada, tem se tornado cada vez mais focada na distribuição de benefícios imediatos. Conduzida em torno de pessoas, e não de ideias, sobretudo após o desenvolvimento da mídia social e das plataformas de divulgação, em que a força da polarização acaba se impondo, a mediação do real nesse ambiente é difícil. Por muito tempo, a imprensa atuou como curadora das informações e dos discursos que povoaram a esfera pública. Hoje, amparada e favorecida pelas tecnologias digitais, a comunicação livre molda a cultura política. Nesse contexto, a comunidade política não mira a civilidade, mas a personalidade: relatos informativos confiáveis perdem espaço para atrações mais excitantes, permitem que o aliciamento emocional característico do entretenimento se imponha sobre o argumento racional.
De um lado, age o populismo de direita, a direita iliberal (Maga), cujo contraponto é o ativismo liberal de esquerda, o chamado separatismo progressista (woke) – grupos narcisistas que abusam da cultura, a tal armadilha das identidades. Políticos reacionários não são liberais, mas os progressistas tampouco. A república é um território que pertence ao cidadão, assim como a democracia é uma forma de governo. Na prática, o que se busca são regimes moderados de governo, equilibrados entre ideias e forças conservadoras e socialistas. Em outras palavras, entre os que desejam contenção fiscal e crescimento econômico (por exemplo, a união democrática), por um lado, e os que vão atrás dos chamados direitos humanos e bem-estar social (por exemplo, a social-democracia), do outro.
Deve-se reconhecer que a hostilidade ao liberalismo é indiferente a ideologias políticas. A defesa da liberdade de expressão nos Estados Unidos é um tema considerado de esquerda, mas também pode referir-se, na China, a um crítico da direita. A globalização é apoiada à esquerda pelos progressistas, defensores da democracia e dos direitos humanos, e à direita, pelas indústrias de ponta e detentores das reservas de mercado. Já o protecionismo é defendido, à esquerda, pela classe trabalhadora e, à direita, pela indústria nascente em vias de realização. No fim, o que se deve discutir é qual a melhor forma de governar.
São um imperativo estratégico a guarda dos interesses nacionais e a garantia da prosperidade num mundo cada vez mais volátil. O Brasil não pode simplesmente esperar. A clareza dos objetivos deve guiar as suas ações rumo à maior resiliência e adaptabilidade. Os desafios que o País enfrenta hoje decorrem não só da sua história colonial, mas de diversos atores e instituições, nacionais e globais. O entendimento central é o de que as nações prosperam quando o Estado é responsável, inclusivo e empenhado no patrocínio de instituições que conquistam a confiança do público.
As normas de mútua colaboração têm como fonte material a ideia a realizar, que provém da necessidade de lidar com a dinâmica dos interesses e paixões coletivos, não obstante sua heterogeneidade e assimetrias. Essa dinâmica constitui uma necessidade básica que decorre da indivisibilidade do Estado, por exemplo, quando se pensa em desenvolvimento e assistência social. A economia estagnada, aliada a um governo à deriva sujeito aos Poderes Legislativo e Judiciário, compromete o potencial da gestão presidencial e abre espaço para um autocentrado unilateralismo decisionista e polarizações generalizadas.
Nossa crise não é apenas política, ela é de modelo. Uma democracia representativa com 30 e tantos partidos torna-se prisioneira das manobras de facções, escorrega para o assembleísmo e cai no populismo. O problema do sistema presidencialista é a legitimidade dual. No regime de gabinete, o partido prevalece sobre o governante, a disputa eleitoral se concentra entre os partidos, sendo os partidos da maioria responsáveis pelo sucesso ou insucesso do governo.
Só haverá governo legítimo quando houver maioria parlamentar. Os parlamentares terão responsabilidade pela execução do governo, não apenas da legislação. O que falta é uma reengenharia de Estado, desta vez de baixo para cima, ao contrário da nossa herança colonial. Uma vez legitimada a democracia, partidos de centro, próximos à esquerda ou à direita, é que deveriam prevalecer, enquanto partidos marginais lutariam para que suas ideias fossem absorvidas pelo centro.
Este estado das coisas só será alterado quando houver uma ampla reforma do sistema de governo e de representação política, por meio da adoção de um tipo de parlamentarismo combinado com o voto distrital, que garantirá eficiência administrativa e redução da fragmentação partidária.