No âmbito das recentes discussões envolvendo a revisão dos gastos públicos com o objetivo de equilibrar o resultado fiscal do Brasil, os conceitos de despesa e investimento ainda causam confusão entre políticos e a população como um todo.
De maneira geral, os gastos representam um sacrifício financeiro (desembolso de recursos) por parte do governo, os quais podem ser divididos de forma simplificada em duas grandes espécies: despesa e investimento. O fator discriminante é justamente o prazo, o período no qual o gasto irá gerar benefícios econômicos futuros para o Estado ou, mais precisamente, para a população.
A despesa, que também engloba o conceito de custo – que se refere ao gasto diretamente relacionado ao processo produtivo e/ou ao processo de venda de mercadoria ou prestação de serviços –, é um recurso que é consumido de forma imediata. Exemplos clássicos são as despesas de salário dos funcionários públicos e os benefícios sociais. Note-se que os benefícios gerados são correntes, isto é, os recursos são consumidos de forma imediata. No jargão contábil das empresas privadas, tais gastos são chamados de despesas operacionais ou Opex (operating expenses).
Os investimentos, por sua vez, geram benefícios por período maiores – em geral por vários anos. Por esse motivo, são denominados contabilmente de ativos. Ao longo do tempo, com raras exceções, os investimentos também se tornarão despesas através do processo de depreciação, amortização ou exaustão. Essas despesas refletem justamente o consumo dos ativos ao longo do tempo em razão de fatores como desgaste, obsolescência, etc. Exemplos clássicos de investimentos públicos envolvem a construção dos chamados ativos imobilizados como hospitais e escolas. Nas sociedades empresárias, tais gastos são chamados de investimentos de capital ou Capex (capital expenditures).
Registre-se que os investimentos também podem sofrer baixas em razão da não recuperabilidade dos montantes investidos. Em outras palavras, um gasto originalmente tratado como investimento também é alvo de perdas contábeis (impairment) quando a expectativa de benefício futuro não se materializa conforme planejado. Isso pode acontecer, por exemplo, quando uma obra não é finalizada e/ou quando o valor gasto é muito superior ao orçado – o que faz com que o ativo fique “inchado” ou “supervalorizado”. Nesse caso, tem-se o registro de uma despesa para reduzir o valor do investimento (ativo) para seu valor de recuperação.
No contexto das entidades com finalidade lucrativa, tanto as despesas quanto os investimentos são incorridos com o objetivo de gerar receitas e, por consequência, de ingressos de recursos (caixa) para a sociedade. Já no caso do Estado, a finalidade é justamente atender às necessidades da população.
Sob essa ótica, portanto, os investimentos deveriam ser privilegiados em detrimento das despesas correntes, pois eles trazem benefícios para períodos mais longos. Novamente, a título comparativo, uma empresa que investe em uma nova planta industrial, em um novo centro de distribuição, em uma nova tecnologia para aumento de produtividade busca justamente incrementar sua capacidade de geração de receita no médio e longo prazo.
Contudo, é preciso ter cautela na comparação entre despesas e investimentos. Primeiro, porque algum nível de gasto com despesa corrente é essencial para a manutenção da atividade econômica, do serviço público. Não adianta um hospital sem médicos ou uma escola sem professores. Do mesmo modo, o mero fato de um gasto ser classificado como investimento não significa necessariamente que ele trará benefícios econômicos futuros; ao contrário, o que existe no momento da realização de dispêndios são expectativas, projeções que poderão ou não se confirmar.
Nesse cenário, torna-se extremamente relevante a análise da “qualidade” dos gastos públicos, sejam eles despesas ou investimentos. Gastos que não geram quaisquer benefícios irão se traduzir invariavelmente em perdas – no limite, dinheiro jogado fora.
De fato, faz-se necessária uma análise compreensiva de cada espécie de gasto que compõe as contas públicas, em uma espécie de orçamento “base zero”. Assim como o cidadão comum – em especial aquele endividado – revisa detalhadamente seus dispêndios visando a cortar o não essencial, cabe ao Estado uma análise pormenorizada dos benefícios esperados com os gastos públicos.
Parece-nos que a discussão da qualidade é tão ou mais importante do que aquela relacionada à quantidade. Assim como as empresas buscam obter os maiores retornos sobre os seus dispêndios, o Estado precisa avaliar a eficiência dos seus gastos, o que implica invariavelmente na discussão da qualidade das nossas políticas públicas. Os recursos são escassos, haja vista que a capacidade de imprimir dinheiro, se endividar e/ou de tributar do Estado é limitada. Nesse contexto, portanto, a decisão mais importante do ponto de vista da gestão da máquina pública acaba sendo justamente a escolha de onde alocar os recursos, de onde gastar.
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É PROFESSOR DA FEA-USP