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Opinião|Guerra e violência de gênero: dez meses de horror para as mulheres no conflito Israel-Hamas

Em um mundo onde o ódio contra os judeus persiste, a descrença em relação aos relatos dos horrores sofridos pelas mulheres israelenses é manifestação direta desse preconceito virulento

Por Elisa Nigri Griner

Passados pouco mais de dez meses do massacre perpetrado pelo Hamas a Israel, que resultou em 1.200 mortos em um único dia, 109 dos 250 reféns capturados no mesmo 7/10 seguem em poder do grupo terrorista. Relatos de sobreviventes resgatados trazem indícios dos horrores do cativeiro, com tortura física e psicológica. No caso das reféns mulheres, um cenário devastador permeado pela rotina de violência de gênero, com estupros sistemáticos e escravidão sexual e doméstica.

De acordo com relatório da ONG Human Rights Watch (HRW), um dos documentos mais detalhados sobre o massacre, foram encontradas “evidências de atos de violência sexual e de gênero por parte dos combatentes, incluindo nudez forçada e a postagem sem consentimento de imagens sexualizadas nas redes sociais”.

Apesar das evidências contundentes e do tempo que se arrasta, uma sombra de incredulidade paira sobre esses relatos de sofrimento. Mas por que muitos não acreditam no que ocorreu e ainda vem acontecendo com essas mulheres? Por que negam? Essa é a pergunta que ecoa na mente das pessoas, cujas vozes lutam para serem ouvidas além do manto de desconfiança. A resposta não é simples, pois ela se entrelaça com complexos fatores sociais e psicológicos que moldam a percepção pública.

No âmbito das organizações feministas, o silêncio é ensurdecedor. Enquanto essas instituições deveriam ser bastiões de apoio e advocacy para todas as vítimas de violência, incluindo aquelas que enfrentam atrocidades tão devastadoras, a realidade mostra uma desconexão alarmante.

As vítimas enfrentam não apenas o trauma do ataque, mas também a indiferença da sociedade e das organizações feministas, que estão sempre na vanguarda da luta pelos direitos das mulheres, mas se “esquecem” de dar voz a essas vítimas.

Esse silêncio pode ser interpretado como uma falha em reconhecer plenamente a gravidade desses crimes, ou ainda uma hesitação em abordar questões delicadas que poderiam perturbar uma narrativa estabelecida. Essa falta de resposta não apenas frustra as esperanças das vítimas em busca de solidariedade, mas também enfraquece a luta coletiva por justiça e pela libertação de cada uma delas.

Tão alarmante quanto o silêncio das feministas é a cegueira e a negação de personalidades esclarecidas, aquelas que, pela sua educação e influência, deveriam ser as primeiras a defender a verdade e a justiça. Intelectuais, líderes de opinião e figuras públicas, muitas vezes, se recusam a encarar a realidade, seja por conveniência, seja por medo de manchar suas reputações com temas controversos e serem cancelados, ou mesmo para ser cool.

Há alguns dias, um astro do rock, cujo nome prefiro não mencionar, foi a um programa de TV e teve a coragem de falar em público que não havia evidências dos estupros. Que tudo tinha sido incentivado e fabricado, sendo que as imagens vieram das próprias câmeras dos terroristas que se vangloriam em cada ato de terror e crueldade.

O papel corrosivo do antissemitismo não pode ser encoberto ou disfarçado. Em um mundo onde o ódio contra os judeus persiste, a descrença em relação aos relatos dos horrores sofridos pelas mulheres israelenses é uma manifestação direta desse preconceito virulento. A negação dos sofrimentos dessas mulheres é, em muitos casos, alimentada por preconceitos profundamente enraizados que desumanizam as vítimas e rejeitam suas experiências como irrelevantes ou fabricadas.

Esse ódio antissemita não se limita a indivíduos isolados; ele permeia instituições, distorce narrativas públicas e influencia a recepção das histórias das vítimas.

Negar a veracidade dessas atrocidades é não só uma afronta à justiça, mas também uma perpetuação do ciclo de violência e discriminação que o antissemitismo historicamente representa. É um ato de conivência com a crueldade, um reforço das mesmas ideologias que procuram deslegitimar e silenciar os judeus ao longo da História.

Enquanto isso, os gritos de desespero das reféns continuam a ser abafados pela indiferença e pela descrença, em um ciclo de negação que perpetua o trauma. Com o agravante de que, após nove meses de cativeiro, enfrentam a angústia de uma possível maternidade forçada, em um contexto de abuso contínuo de poder e violação brutal de direitos humanos.

Romper com essa cultura exige não apenas um compromisso renovado com a verdade e a justiça, mas também uma coragem coletiva para enfrentar as falhas de nossas próprias instituições e das personalidades que moldam a opinião pública.

Portanto, diante das histórias das mulheres israelenses sequestradas e estupradas, a resposta não pode ser mais o silêncio conivente. É hora de todas as vozes, incluindo as das organizações feministas e de toda a sociedade, se unirem em apoio às vítimas e em um clamor pela sua libertação.

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DIRETORA VOLUNTÁRIA DA FEDERAÇÃO ISRAELITA DO ESTADO DE SÃO PAULO (FISESP), ATIVISTA SOCIAL PELO DIREITO DA MULHER, É IDEALIZADORA E COORDENADORA DO GRUPO DE LIDERANÇA E NETWORKING DA FISESP (LEN/ELF-FISESP), DEDICADO AO EMPODERAMENTO FEMININO

Opinião por Elisa Nigri Griner

Diretora voluntária da Federação Israelita do Estado de São Paulo (Fisesp), ativista social pelo direito da mulher, é idealizadora e coordenadora do grupo de Liderança e Networking da Fisesp (LEN/ELF-Fisesp), dedicado ao empoderamento feminino