Charles de Montesquieu nasceu em 18 de janeiro de 1689 em Bordeaux, França, e morreu em 10 de fevereiro de 1755, em Paris. Foi político, filósofo e escritor, e ficou famoso pela sua teoria da separação dos Poderes, incluída em muitas constituições internacionais, inclusive a brasileira. A teoria da tripartição dos Poderes do Estado foi desenvolvida por Montesquieu no livro O Espírito das Leis, de 1748. O autor partia das ideias de John Locke, cerca de um século antes. A tese da existência de três Poderes remonta a Aristóteles. Montesquieu dividiu os Poderes separando-os em Executivo, Judiciário e Legislativo.
As Constituições brasileiras acolheram a tese montesquiana. A Constituição Cidadã de 1988, em seu artigo 2.º, dispôs que os Poderes são independentes e harmônicos entre si, tornando tal disposição cláusula pétrea (artigo 60, parágrafo 4.º, inciso III). Tal determinação estaria sendo observada nos tempos atuais? Vejamos: o Executivo, com fundamento nos artigos 50-V e 62 da Constituição federal, editou centenas de medidas provisórias, a maioria delas sem os requisitos indispensáveis de relevância e urgência.
O Congresso Nacional teve suas pautas travadas, paralisando os trabalhos legislativos. E o que é mais grave: na tramitação de muitas das medidas provisórias foram acolhidas emendas que nada tinham a ver com o cerne das mesmas, verdadeiras “emendas piratas” desnaturando a medida que sucedeu o decreto-lei e o processo legislativo. É o Executivo avançando na competência do Legislativo, editando medidas provisórias, sem os requisitos constitucionais de relevância e urgência.
O jurista português José Joaquim Gomes Canotilho acredita que o Supremo Tribunal Federal (STF) está avançando em assuntos do Legislativo e do Executivo no que ele chama de “ativismo judicial exagerado”. Reconhece que ao entrar nessas questões a Suprema Corte faz alertas aos outros Poderes, com mensagens positivas e busca de soluções para os problemas brasileiros. O professor Canotilho é um dos principais constitucionalistas de Portugal (catedrático da Universidade de Coimbra) e defende que a Constituição deve ser um programa para o país. O problema é que a Constituição brasileira de 1988 está sendo conduzida pelo Supremo Tribunal Federal, e ele pergunta se é função do Judiciário resolver questões como demarcações de reservas indígenas, infidelidade de políticos aos seus partidos e uso das algemas pela polícia.
O mestre português faz referência às súmulas vinculantes, compreendendo a tentativa de dar alguma ordem, mas o problema é que elas se transformam em direitos constitucionais enquanto não são revogadas pelo próprio STF. O professor Canotilho vê também um aspecto positivo no fato de o Supremo transformar julgamentos em alertas, por exemplo, se o Congresso não aprova a lei de greve dos servidores públicos, o Supremo decide por analogia que os funcionários públicos terão de cumprir as regras de greve para o setor privado.
O Legislativo, igualmente, em determinadas decisões, teria invadido competência do Judiciário, ao julgar parlamentares acusados de desvios éticos, ao instalar Comissões Parlamentares de Inquérito e ao agir como se Poder Judiciário fosse.
Lembro-me de que, em umas das raras comemorações do aniversário do grito do Ipiranga, a Fundação de Rotarianos de São Paulo programou uma palestra com o tema “A independência do Brasil e o Brasil de hoje”, que, honrado pelo convite, aceitei proferir. Embora por dever de ofício eu tenha sempre a atenção voltada para a conjuntura, as raízes e as perspectivas do País, confesso que saí da fase preparatória da palestra mergulhado num misto de esperança e desalento – a começar porque entristece ver a data maior do Sete de Setembro percebida só como mais um feriado, as exceções de praxe.
Tal descaso não é inédito, e pergunto: será que o brasileiro nada tem a comemorar depois de quase dois séculos de autonomia nacional? Nada do que se orgulhar em sua história? Nada a preservar do seu passado, para legar às futuras gerações? Somos assumidamente um país de memória curta.
A economia avançou mais rapidamente que a política, mas não com menos sobressaltos. O País enfrentou dezenas de crises, a partir do choque do petróleo de 1979. Mas, como dizem, sempre se pode aprender com as crises. Ao lado da quebradeira geral, o tsunami financeiro trouxe para o centro do debate questões éticas que há muito haviam sido deixadas de lado e que, agora, começam a ser encaradas como o único caminho para restaurar a confiança nos sistemas bancários, nas políticas econômica e fiscal, no pulso dos governos para conter a ganância por ganhos financeiros exorbitantes, com a adoção de criteriosos marcos regulatórios e fiscalização eficiente.
Independência e harmonia dos Poderes são indispensáveis para o fortalecimento da democracia e consequentemente para o País.
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ADVOGADO, É PRESIDENTE EMÉRITO DA ACADEMIA PAULISTA DE LETRAS JURÍDICAS